Apresentada pela Alta Representante da UE, Federica Mogherini, no Conselho Europeu de junho de 2016, ainda sob os efeitos das “ondas de “choque” do referendo Britânico para abandonar a UE (Brexit), a tão esperada Estratégia Global para a Política Externa e de Segurança da UE[1], provavelmente não recebeu a atenção imediata que merecia dos políticos e cidadãos europeus, não obstante o facto de a sua preparação ter contado com uma ampla participação dos governos, parlamentos e sociedade civil europeia.

Nas Conclusões do referido Conselho Europeu o documento apresentado não ultrapassou o patamar de “welcomed”, o mais baixo nível no processo de decisão política. No entanto, treze anos após o desatualizadíssimo documento Solana de 2003 sobre a “Estratégia Europeia de Segurança”, a Estratégia apresentada pela Alta Representante define um novo quadro de desafios e ameaças à UE, estabelece os objetivos, ambições políticas e prioridades estratégica, e apresenta um número significativo de iniciativas inovadoras que, devidamente consideradas e implementadas, têm potencial para relançar a “moribunda” Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD) nos próximos anos.

Na introdução ao documento a Alta Representante começa por afirmar que a UE enfrenta uma grave crise existencial e que não há tempo a perder, pois em tempos de incerteza a União necessita de partilhar uma visão estratégica e de atuar em conjunto, daí o título da Estratégia “Visão Partilhada, Ação Conjunta: Uma Europa Mais Forte”. Esta asserção ainda se tornou mais relevante depois do referendo Britânico.

O Conselho de Negócios Estrangeiros da UE, de 18 de julho de 2016, confirmou a sua disponibilidade para dar início e continuidade à fase de implementação da Estratégia, tendo encorajado e convidado a Alta Representante a apresentar no outono de 2016 um programa detalhado e respetiva calendarização, para a operacionalização das diversas dimensões setoriais da Estratégia, incluindo a Segurança e Defesa.

No que respeita à dimensão da Segurança e Defesa a Estratégia sublinha que o objetivo principal do exercício é “proteger a segurança e prosperidade dos cidadãos da Europa e no espaço circunvizinho, o que não poderá ser alcançado só com “soft power””[2].

No nosso entendimento trata-se de uma afirmação oportuna, corajosa e feliz, pois poderá solucionar de vez a atual dicotomia “soft power vs hard power” e concomitantemente a complexa partilha de trabalho UE/NATO, facilitando assim uma melhor cooperação entre estas duas organizações, como ficou estabelecido na Declaração Conjunta emitida à margem da Cimeira da NATO em Varsóvia[3].

Neste entendimento, a Estratégia apela a um forte relacionamento UE-NATO assente na complementaridade de ambas as organizações, no aprofundamento da cooperação com a Aliança, no aproveitamento de sinergias e no respeito mutuo e da autonomia de tomada de decisão.

Um outro conceito nunca definido e assumido politicamente, agora clarificado pela Estratégia, é a tão propalada “autonomia estratégica” da UE. Na realidade, ao identificar o nível de ambição política da UE como um “ator mundial” e um “fornecedor de segurança”, a Estratégia reitera a necessidade de a Europa desenvolver um nível apropriado de “autonomia estratégica”, para garantir a segurança da União e os seus cidadãos.

É reconhecida também a necessidade urgente de a Europa investir mais e melhor em defesa, para que as forças militares estejam “melhor equipadas, treinadas e organizadas”, seja para contribuir para o esforço de defesa coletiva (NATO) ou para atuar autonomamente, se e quando necessário, para fomentar a paz e salvaguardar a segurança dentro e fora das suas fronteiras.

Diretamente relacionado com a necessidade de desenvolvimento de capacidades militares credíveis e tecnologicamente avançadas e adequadas às missões militares, a Estratégia enfatiza a essencialidade de “uma indústria de defesa Europeia sustentável, inovadora e competitiva, para garante da autonomia estratégica da Europa e credibilidade da PCSD”.

A este respeito a Estratégia sublinha, pela primeira vez nos anais da UE, a imprescindibilidade de fundos UE para apoio a projetos de investigação tecnológica de defesa, devidamente consubstanciado no próximo quadro financeiro multianual da UE (2021-2027), questão que considera instrumental no processo de desenvolvimento das capacidades de defesa que a Europa necessita.

Assim, aguarda-se com expetativa o novo “European Defence Action Plan”, que dará continuidade à “Preparatory Action”, a ser apresentado pela Comissão Europeia neste outono, que poderá constituir a antecâmara de um quadro financeiro multianual da UE[4] para assuntos de defesa, contribuindo definitivamente e de forma sustentada o deficit de competências tecnológicas e industriais de defesa que se vem verificando há já vários anos, sem ter de se recorrer à constituição de um “exército europeu”.

Para garantir a “autonomia estratégica” e constituir-se como um “fornecedor de segurança” capaz de responder a crises externas e manter a segurança do seu território e dos cidadãos, é indispensável que os Estados Membros disponham de capacidades militares de elevado espetro operacional e tecnológico, suportada por uma base tecnológica e industrial de ponta.

Neste contexto, sem prejuízo da soberania dos Estados Membros em relação às suas decisões de defesa, a Estratégia apela a um esforço cooperativo e concertado dos Estados Membros, uma vez que “nenhum Estado Membro por si só estará capacitado para responder a este desafio isoladamente”. Este pressuposto requer um novo paradigma de defesa tando por base a “cooperação de defesa como uma norma”.

Ao reconhecer que a atual abordagem voluntarista em que assenta a cooperação de defesa não é suficiente, a Estratégia releva o papel da Agência Europeia de Armamento (EDA) e apela à utilização de todo o seu potencial e instrumentos, nomeadamente  o “Capability Development Plan”, como um pré-requisito para o fortalecimento do desenvolvimento de capacidades militares.

Por último, a Estratégia sublinha a necessidade e importância do esforço gradual de sincronização e de convergência estratégica dos ciclos de planeamento de defesa dos Estados Membros, em coerência com o processo similar da NATO, uma questão que se reputa de extremamente relevante para a indispensável harmonização de requisitos militares, como elemento essencial para a consolidação da procura e fortalecimento de um mercado de defesa Europeu.

De momento, à medida que o trabalho preparatório das sub-estratégias setoriais continua, as expetativas são bastante elevadas quanto à possibilidade de se darem passos rápidos e concretos na tradução dos objetivos da Estratégia em ações tangíveis para a consecução dos níveis de ambição estabelecidos.

Resta saber em que medida o “Brexit” afetará esta intenção.

Augusto Melo Correia
Vice-Presidente da Direcção

[1] “Visão partilhada, Ação Conjunta: Uma Europa Mais Forte”, Federica Mogherini, junho 2016

[2] “In this fragmented world soft power is not enough: we must enhance our credibility in security and defence”. Estratégia Global da UE.

[3] EU-NATO Joint Declaration 8/7/2016. consilium.europa.eu/pt/meeting/international-summit/2016/07/08-09 .

[4] Especula-se que o valor do apoio UE a atribuir a projetos de investigação tecnológica de defesa poderá atingir o montante de 500M€/ano.