“As European defence cooperation has made significant progress over recent years with the establishment of new EU defence tools, the current global COVID-19 pandemic and its economic, budgetary and security-related repercussions make EU defence cooperation even more indispensable in the area of collaborative defence capability development”
Mr. Sedivý, new EDA Chief Executive, 05May2020
No sentido lato do conceito, por Segurança Nacional deve entender-se a condição da Nação que se traduz pela permanente garantia da sua sobrevivência, em paz e liberdade, assegurando a integridade territorial, bem assim a liberdade de ação política dos órgãos de soberania e o normal funcionamento das instituições democráticas.
Por sua vez, o conceito de Defesa Nacional é o conjunto de instrumentos e medidas, tanto de caráter militar, político, diplomático, económico, social e cultural, que, devidamente integrados, coordenados e desenvolvidos, global e setorialmente, contribuem para reforçar as potencialidades da Nação e minimizar as suas vulnerabilidades, por forma a torná-la apta a enfrentar quaisquer ameaças que possam pôr em causa a Segurança Nacional.
Assim, envolvendo a Defesa Nacional instrumentos e medidas diversificadas que estão muito para além do caráter militar no estrito senso, são absolutamente compreensíveis, aceitáveis e louváveis as reações dos Estados, num primeiro momento, visando a proteção da saúde e o bem-estar das suas populações, concentrando todas as suas potencialidades, incluindo o vetor militar nos termos constitucionais, no sentido de diminuir o número de infetados e a taxa de mortalidade. Segundo a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, “de momento a nossa principal obrigação e prioridade é salvar a vida e os meios de subsistência de todos os europeus. Mas, chegará o dia, espero que num futuro não muito distante, em que teremos de olhar em frente e lançar, em conjunto, o processo de recuperação”[1].
Pelo fenómeno da rapidez da sua propagação e pelas consequências surpreendentes resultantes do CODIV-19, apanhando de surpresa e impreparados a grande maioria dos decisores políticos e responsáveis técnicos e científicos dos Estados, a situação pandémica do COVID-19 tem sido equiparada, erradamente, a um “estado de guerra”. Em abono da verdade dos conceitos impõe-se corrigir esta anormalidade. De facto, segundo a teoria de Carl von Clausewitz[2] a “guerra é a continuação da política por outros meios, incluindo os meios violentos se necessário, e implica um permanente digladiar de vontades”, situações que se não verificam obviamente na atual crise pandémica do coronavírus.
Contudo, isso não significa que a crise do coronavírus não tenha uma importante dimensão estratégica, na exata medida em que o vírus interpela a saúde coletiva e o bem-estar económico e social de uma comunidade, a nível global, criando sérias vulnerabilidades à Segurança Nacional, incluindo a dimensão da segurança e defesa nacional e europeia.
Tratando-se de uma crise global, a resposta deve ser global e de preferência comum ou conjunta, pelo menos a nível europeu, segundo o recente entendimento da Presidente da Comissão Europeia, na sua audição, em Sessão Plenária, no Parlamento Europeu (26mar2020)[3].
Assim, num segundo momento, depois dos efeitos pandémicos abrandarem para níveis absolutamente controláveis, torna-se imperioso que a UE, no seu conjunto e como um todo, proceda, com urgência, à injeção de grandes investimentos financeiros, através de inovadoras e variadas fontes e estímulos, para reconstruir rapidamente os sistemas de saúde e económico-industriais europeus, seriamente afetados pela crise pandémica, nomeadamente no que respeita aos elevados níveis de desemprego[4]. No discurso da Presidente da Comissão Europeia na Sessão Plenária do Parlamento Europeu, sobre a resposta ao COVID-19, de 26 de março de 2020, é também afirmado, de forma categórica, que “a nossa Europa tem tudo o que é preciso e estamos dispostos a fazer tudo o que for necessário para, em conjunto, ultrapassarmos esta crise”[5].
O que está verdadeiramente em causa neste segundo momento de desenvolvimento e recuperação da crise pandémica, é uma nova reconstrução dos sistemas de saúde e económico-social europeus, no quadro da necessidade de uma Europa mais geopolítica[6], em coerência com o objetivo político de autonomia estratégica da União, definido na Estratégia Global da UE na área de segurança e defesa europeia[7].
Contudo, a evidente crise de solidariedade com que a União se debate presentemente, não só pode pôr em causa os alicerces, os valores e os princípios democráticos fundacionais da UE (solidariedade, unidade, coesão e integração progressiva), como lança uma sombra de desconfiança e dúvida sobre a real vontade política da União em continuar a perseguir o objetivo de autonomia estratégica, através da cooperação europeia de defesa, no que respeita às capacidades de segurança e defesa europeia. Ou seja, para alguns autores, o princípio normativo da cooperação europeia de defesa, que, após a aprovação da Estratégia Global da UE (jun2016), parecia já estar culturalmente consolidado e integrado nos planeamentos de defesa nacionais, com a implementação dos novos mecanismos e instrumentos de fomento da cooperação de defesa, como a Cooperação Estruturada Permanente (PESCO), o Fundo Europeu de Defesa (FED) e a Análise Anual Coordenada de Defesa (CARD), poderá ser posto em causa, por insuficiente solidariedade[8].
Depois de um início titubeante, o Banco Central Europeu decidiu lançar no mercado internacional um estímulo significativo de compra de dívida pública para apoio ao relançamento da economia europeia, no valor de 750 mil milhões de euros, para acalmar e criar a confiança e a estabilidade necessárias nos chamados “mercados internacionais”.
Na sequência de longas e extenuantes reuniões do Eurogrupo, nada prestigiantes, em que sobressaiu o “estado de desunião” e a falta de solidariedade da União, na resposta urgente a uma crise global, o Conselho Europeu aprovou um pacote financeiro de 540 mil milhões de euros para ajudas de emergência, juntando o Mecanismo Europeu de Estabilidade, o Banco Europeu de Investimento e um novo instrumento temporário de solidariedade, apelidado de SURE[9], para mitigar os riscos de desemprego em caso de emergência (100 mil milhões de euros).
Contudo, ficaram por definir questões fundamentais, que fazem toda a diferença, como a forma e o modo como essas ajudas de emergência chegarão aos Estados-membros (subvenções, empréstimos ou uma outra solução mista inovadora). A falta de consenso nesta questão extremamente sensível, que acentua e agrava a já persistente divisão entre o Norte e o Sul da Europa, poderá transformar a crise pandémica numa crise geopolítica mais ampla, não só debilitando a segurança e defesa europeia com a amplificação de novas ameaças, como perturbando as já tensas relações transatlânticas e com a Rússia e a China[10].
Na verdade, o COVID-19 já afetou as forças armadas de alguns Estados-membros e Aliados, tendo obrigado navios a suspenderem as suas missões e regressarem ao seu porto (porta-aviões Charle de Gaulle e fragata Leopold), suspendido ou reduzido a sua capacidade operacional em missões/operações no Iraque e Mali e até mesmo influenciado a realização de um grande exercício anual da NATO na Europa (Europe Defender 2020).
Por sua vez, a Comissão Europeia assumiu o compromisso de, até 6 de maio de 2020[11], apresentar o seu Plano de Recuperação Económica da UE pós crise coronavírus, tendo por base uma profunda reestruturação e substancial financiamento do atual projeto de Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 (chegou a falar-se de um “Plano Marshall” Europeu).
Como é do conhecimento geral, o atual projeto de Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, foi proposto pela Comissão Europeia em 2017, no valor de 1,28 biliões de euros, com base nas contribuições nacionais de 1,14%/ano dos respetivos PIB dos Estados-membros, tendo já merecido uma aprovação de princípio na 1ª leitura do Parlamento Europeu no início de 2019. Todavia, apesar de várias tentativas, perturbadas pela urgência de uma resposta comum à crise pandémica, o Conselho Europeu não conseguiu o consenso necessário para a sua aprovação. No que à cooperação europeia de defesa diz respeito, nestes 1,28 biliões de euros constam:
– 96,5 mil milhões de euros destinados ao Programa Europa de caráter científico-tecnológico, aberto a projetos de defesa, sobretudo das PME, ao abrigo do conceito de “dual-use” aprovado pela Comissão Europeia em 2014 e já utilizado no Programa-Quadro H-2020;
– 13,0 mil milhões de euros destinados ao Fundo Europeu de Defesa (4.1mil milhões de euros para investigação tecnológica de defesa e 8,9 mil milhões de euros para desenvolvimento industrial de defesa);
– 6,5 mil milhões de euros destinados ao programa de Mobilidade Militar.
Ora, de acordo com as previsões económicas da primavera de 2020, a economia da área euro registará uma contração profunda, sem precedentes, afetada por um choque enorme, seguido de uma retoma incompleta a partir de 2021, equivalente a 7-8% do PIB em 2020, dependendo sobretudo do vigor, amplitude e visão estratégica do Plano de Recuperação Económica da UE a propor pela Comissão Europeia. Os reflexos imediatos dessa recessão profunda serão os seguintes:
-Descida acentuada da inflação;
-Aumento significativo do desemprego, incluindo desemprego altamente qualificado;
-Aumento da dívida e dos déficits públicos;
-Contexto de incerteza excessivamente elevado.
É, portanto, certo e sabido que a recuperação das nossas economias e sociedades depois do COVID-19, será urgente e requererá um investimento massivo e uma distribuição justa e solidária entre os Estados-membros, muito superior aos 1,28 biliões de euros previstos no projeto de Quadro Financeiro Plurianual apresentado pela Comissão Europeia em 2017, para o período de 2021-2027. Muito desse investimento deverá ser feito sob a forma de subvenção (não reembolsado) e empréstimos beneficiando de juros baixos e longas maturidades ou de alguma outra modalidade mista que o engenho e a arte nos tragam à luz do dia.
Competirá à Comissão Europeia encontrar a fórmula mágica da “quadratura do círculo” ao desenhar o seu Plano de Recuperação Económica da UE pós crise coronavírus. Impõe-se que essa fórmula mágica não seja alicerçada à custa do desinvestimento na defesa[12], pois devemos aprender com os erros e ensinamentos da crise de 2008-1014, em que os cortes nos orçamentos nacionais foram significativamente orientados e concentrados no setor da defesa (forças armadas, sistema científico e tecnológico de defesa e empresas/indústrias de defesa, sobretudo PME), declínio de que ainda hoje estamos a recuperar[13] .
Em qualquer circunstância, o investimento na defesa continuará a ser necessário, pois caso contrário a Europa nunca atingirá as condições necessárias à liberdade de ação para utilizar as forças armadas onde quer que a segurança dos seus cidadãos assim o exija ou mesmo a pedido de parceiros.
Em face da escassez de recursos disponíveis durante alguns anos após os efeitos nefastos do COVID-19, é absolutamente mandatório que os dinheiros públicos investidos em defesa sejam utilizados com racionalidade, não só para alavancar a economia europeia, mas também para satisfação das capacidades comuns prioritárias à segurança e defesa nacional e europeia. Felizmente, os novos mecanismos e instrumentos de defesa lançados desde 2017 (PESCO, FED, CARD), garantirão que os investimentos despendidos em defesa tenham um valor acrescentado máximo, sendo evitadas as duplicações, tanto da procura como da oferta, e os gastos desnecessários do passado recente.
Para uma melhor compreensão da interligação e coerência entre os novos mecanismos e instrumentos de defesa de que temos vindo a falar, optou-se por fazer uma pequena síntese de cada um deles:
– PESCO– Oferece opções sobre como desenvolver, em cooperação, as lacunas de capacidades existentes e as capacidades prioritárias de defesa no curto, médio e longo prazos.
– FED– Facilitador financeiro. Promove a cooperação de defesa no desenvolvimento de capacidades e apoia o fortalecimento de uma base tecnológica e industrial de defesa mais competitiva e inovadora.
– CARD– Fornece uma visão global das lacunas de capacidades existentes, promove a harmonização dos planos nacionais de defesa, incluindo o seu suporte financeiro, e identifica oportunidades de cooperação de defesa.
Em suma, mesmo em plena crise do COVID-19, o investimento em defesa constitui o garante da segurança, liberdade e prosperidade a que o Ocidente nos habituou, dado que a Europa não será capaz de manter o seu nível de vida e contrato social se não estiver apta a enfrentar as ameaças à sua segurança.
Lisboa, 11 de maio de 2020
Augusto de Melo Correia
Vice-Presidente do Conselho Consultivo
[1] Speech_by_President_von_der_Leyen_at_the_EP_-_COVID_19.pdf , Ursula von der Leyen, 26March2020.
[2] Almanaquemilitar.com/site/wp-content/uploads/2014/Da-Guerra-Carl-Von-Clausewitz.pdf .
Da Guerra, Tradução do inglês, CMG (RRn) Luís Carlos Nascimento e Silva do Valle, 2014.
[3] Speech_by_President_von_der_Leyen_at_the_EP_-_COVID_19.pdf , Ursula von der Leyen, 26March2020.
[4] Os Estados-membros e as Instituições da UE estão ainda a apurar os valores dos custos dos efeitos do COVID-19 para a reconstrução da economia europeia (mercado interno, emprego, livre circulação). É, portanto, um trabalho em progresso, mas os primeiros números aventados apontam para um valor que pode oscilar entre 850 mil milhões de euros e 1,5 biliões de euros, que, em princípio, serão divididos em subvenções e empréstimos de longa duração.
[5] Speech_by_President_von_der_Leyen_at_the_EP_-_COVID_19.pdf , Ursula von der Leyen, 26March2020.
[6] https://ec.europa.eu/info/sites/files/president-elect-speech_pt.pdf
Discurso na Sessão Plenária do Parlamento Europeu, Ursula von der Leyen, 27novembro2019.
[7] “Shared Vision, Common Action: A Stronger Europe”. A Global Strategy for the European Union’s Foreign Strategy and Security Policy, June 2016.
[8] European Council on Foreign Relations (ECFR), Nicu Popesco, 30March2020.
[9] SURE – “Support to mitigate Unemployment Risks in an Emergency”.
[10] Da leitura da imprensa especializada, tomou-se conhecimento de que no Iraque os militantes jihadistas do Daesh e da Al-Qaeda estão a aproveitar as debilidades provocadas pela crise pandémica para reforçar as suas forças e ações terroristas.
[11] Esta data-limite não foi cumprida, aguardando-se para 20-26 de maio a referida proposta da Comissão Europeia.
[12] Alguma imprensa da especialidade falou na hipótese aventada pela Comissão Europeia de redução substancial do Fundo Europeu de Defesa e da subtração do programa Mobilidade Militar.
[13] Compulsados os mapas da EDA, Defence Data 2007-2015, em relação à EU-28, conclui-se que:
– O dispêndio com a defesa caiu 12,5%;
– O investimento em defesa em % do PIB decresceu 21,4%
– O investimento em Investigação Tecnológica de defesa caiu 38%, mas o investimento em Investigação Tecnológica colaborativa de defesa europeia desceu 42,2%;
– O investimento em “Procurement” colaborativo de defesa europeia decresceu 22,2%
– O desemprego no setor da defesa aumentou 8,5%