Resumo Executivo
O presente trabalho analisa o Relatório e as comunicações mais diretamente ligadas com a Europa efetuadas durante a 56ª Conferência de Segurança de Munique 2020, realizada em fevereiro do corrente ano. Foca em particular as intervenções dos Presidentes da Alemanha e da França, bem como as dos Ministros dos Negócios Estrangeiros de países com impacto marcante na Europa como os EUA, a China ou a Rússia.
Antes de mais, e apesar de ter passado despercebida dos média Portugueses, julgamos de realçar que a Conferência de Segurança de Munique é um acontecimento anual significativo, pois constitui fórum público privilegiado para se identificarem as visões estratégicas dos atores internacionais e as grandes linhas políticas que preconizam para fazer face aos múltiplos desafios com que nos confrontamos pelo que terão naturais implicações sobre a Europa.
O Relatório elaborado antecipadamente para apoiar e suscitar os debates durante a Conferência tinha o Título de “Westlessness”. Descreve um mundo em que o Ocidente não só tem vindo a perder iniciativa e influência, como ele próprio se divide e desagrega internamente. Coloca-nos, em síntese, a questão de saber qual é a capacidade atual do Ocidente para preservar os traços fundamentais que o caraterizam e de manter uma capacidade de intervenção global que promova uma ordem compaginável com esses traços.
As intervenções das potências externas à Europa foram de algum modo reveladoras do tão glosado contexto de competição entre as grandes potências, e sobretudo da não existência, entre essas potências, de áreas de consensos substantivos passíveis de constituir alavancas sólidas ao esforço coletivo e que permitam olhar o futuro com mais previsibilidade e confiança.
O conceito de Westlessness, foi implicitamente aceite por Lavrov, MNE da Rússia, que por isso convidou a Europa que, segundo ele, “perdeu o monopólio da agenda de integração continental” a aproximar-se do processo de integração em curso progressivo na vasta Eurásia, agora a ser liderado pela China, Rússia e outros. O convite que efetuou não foi para que a Europa se associe ao processo geral de integração do continente Eurasiático, mas sim à sua aproximação com a Rússia para se criar “um espaço comum de lisboa a Vladivostoque”. Para materializar essa aproximação e resolver as técnicas Lavrov abre caminho a um “diálogo estável entre a Comissão Europeia e a Comissão Económica Eurasiática. É pois uma visão regional e centrada na Eurásia, até porque segundo ele, o espaço comum a estabelecer é relevante face ao “comportamento progressivamente egoísta de alguns países no mercado global” que “procuram aplicar as suas regras do jogo a todos e em todos os lugares mesmo se em violação das normas das NU e da OMC”, única vez em que no seu discurso se referiu, eventualmente aos EUA.
O MNE da China, Wang Yi começou a sua intervenção descrevendo como sob a “forte liderança do Presidente Xi Jinping, o Governo Chinês” desenvolveu num esforço vigoroso e bem-sucedido contra o novo vírus, para efetuar logo de início uma declaração de natureza política. “A velocidade, escala e eficiência da China demonstram a força do sistema da China”.
Wang Yi rejeitou o conceito de Westlessness que considera refletir a perceção de apenas alguns países da Europa e dos EUA e, ao contrário, acha que entramos na idade da globalização e de desafios comuns, pelo que devemos “transcender as divergências Leste-Oeste e divisões Norte-Sul para ver o planeta que partilhamos como uma comunidade para todos”.
Considera por isso necessário estabelecer-se um enquadramento efetivo para uma “cooperação multilateral em que os assuntos internacionais sejam verdadeiramente discutidos e decididos por todos os envolvidos”, apresentado para isso uma proposta global de multilateralismo, em termos específicos.
Isto é, um multilateralismo que prossiga o desenvolvimento partilhado, mas que respeite as escolhas do povo chinês em que o Partido Comunista da China, “representa os interesses fundamentais de todo o povo”. Um multilateralismo pelo bom exemplo dos maiores países que considera instrumental para o seu sucesso. Referindo que, para isso, a China vai reforçar ainda mais a “coordenação estratégica” com a Rússia em todas as frentes; trabalhará com os EUA para promover uma “coexistência pacífica” e uma “cooperação mutuamente benéfica”; e “aprofundará a cooperação com a Europa” melhorando as relações entre a China e a UE e expandindo a cooperação China-CEEC (China-Países da Europa Central e Oriental) e portanto descrevendo um certo paralelismo na sua aproximação à Europa. Se bem que afirmando a seguir que “como sempre, apoiamos a integração europeia, apoiamos uma Europa unida e forte e apoiamos o papel ativo da Europa em assuntos multilaterais”.
O Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo também não aceitou o princípio do Westlessness e ao contrário considerou que o Ocidente[1] não está em perda, mas “a ganhar e a ganhar em conjunto”, apresentando os elementos em que assenta a sua convicção.
Pompeo afirmou que a perturbação atual reside no facto de atualmente, mais de 30 anos após a queda do muro, existirem países que “não respeitando as soberanias, nos ameaçam”. “Algumas nações ainda desejam um império”, refere.
Apresenta um conjunto de iniciativas e de ações desenvolvidas pelos EUA para provar o seu envolvimento e liderança internacional envolvendo quer ações no campo do seu relacionamento com a Rússia, a China ou o Irão, a constituição de coligações internacionais para combater o Estado Islâmico ou a circulação no Estreito de Ormuz, até às ações de apoio à Ucrânia ou de melhoria de investimento na NATO para deixar patente que os EUA continuam a assumir uma liderança internacional. Para terminar dizendo que os Estados Unidos encararam e continuarão a encarar as ameaças perigosas e que não irão tergiversar na sua resposta.
Em síntese, O MNE da Rússia desconheceu na sua intervenção os EUA, que nem sequer referiu, enalteceu o esforço de integração em curso no continente Euroasiático e convidou a Europa a juntar-se-lhe numa formulação estrutural limitada de Lisboa a Vladivostoque.
O MNE da China apresentou-se como uma potência com visão global e em afirmação do seu sistema político. Propôs uma cooperação multilateral para fazer face aos desafios complexos com que todos nos confrontamos num mundo global, mas condicionada a especificidades de certa forma condicionadoras.
O SE dos EUA assegura-nos que o ocidente está a ganhar e em conjunto, afirma que os EUA não retiraram do mundo e continuam a sua liderança internacional com base na defesa da liberdade individual, das empresas livres e das soberanias nacionais. Mas parece estar a aprofundar-se a diferença de posturas estratégica entre os EUA e a China.
Na China, a crença prolixamente difundida da sua ascensão, apresentada pelo seu MNE na Conferência como “inevitável”, assenta num projeto de natureza mundial – “uma Rota, uma Faixa”, com uma expressão multicontinental e indutora de profundas alterações políticas, económicas e estratégicas. É um projeto de promoção da pegada estratégica da China no globo, apresentada numa perspetiva de win-win e de “democratização” do sistema global. Há, portanto, na China, uma estratégia com um conteúdo conhecido e um discurso alinhados.
Nos EUA é identificável uma postura geral internacional assente no princípio da defesa da soberania e da liberdade, mas sobretudo de contestação às outras potências com sonhos imperiais. É uma abordagem internacional de natureza revisionista a que parece faltar um conteúdo estratégico mais substantivo e de longo prazo, persistentemente conduzido.
Quanto aos países Europeus, o Presidente da Alemanha constatou a dinâmica cada vez mais destrutiva na política internacional trazida pela estrutura de “competição entre as grandes potências”, afirmando que atualmente as grandes potências não só não têm interesse no sucesso da integração europeia, como ao contrário, promovem os seus interesses mesmo quando estes se “alcançam à custa da unidade europeia”, o que é um elemento essencial na atualidade. Por isso considera que o maior desafio e prioridade da UE é manter-se unida.
No que toca à segurança europeia, considera que a construção de uma política de defesa europeia é tão relevante como a participação no pilar europeu da NATO. Devem ser ações colaborativas e complementares e se optássemos apenas por uma delas, isso levaria à divisão da europa porque há países que consideram a ligação à NATO como essencial. Além disso, a Europa está longe de poder assumir a responsabilidade plena pela sua defesa, o que evidencia a imprescindibilidade do laço transatlântico. Por outro lado, só uma Europa que pode e quer proteger-se de forma credível poderá promover a sua utilidade e portanto valor para os EUA, considerando que para eles a Europa já não é vital como foi no tempo da guerra-fria e o seu centro de gravidade estar a deslocar-se para o Pacífico.
Mas a Europa não pode reduzir a sua estratégia às questões de segurança. Temos que trazer mais diplomacia, entendimentos e estratégia à atuação europeia. A nossa prioridade não deve ser a de ocidentalizar o mundo mas de integrar as questões de segurança dos outros na nossa própria segurança e, por isso, a Europa necessita de uma estratégia mais vasta que inclua a reanálise das relações com a Rússia, hoje limitadas às sanções; encontrar um novo equilíbrio entre a cooperação e competição com a China; ou em relação aos EUA promover o consenso em relação ao processo de integração europeia e ao laço transatlântico que considera essencial.
Sobretudo o Ocidente necessita de defender o conceito de uma ordem global participativa baseada na lei, a única forma de “formular respostas persuasivas aos desafios do Antropoceno”.
O Presidente Francês, Emmanuel Macron também reconheceu o enfraquecimento do Ocidente, o surgimento de outros valores “quando julgávamos os nossos universais e duráveis” e o facto da Europa estar a ser “empurrada” por outros projetos. Citou a emergência da China, e de atores regionais “que não partilham os nossos valores” como a Rússia ou a Turquia. Referiu-se à política Americana de relativa retração internacional e de “reconsideração” da sua relação com a Europa. Mas lembrou igualmente as oportunidades que na Europa temos e que podem nomeadamente decorrer de uma cooperação mutuamente benéfica com a África.
Tal como o Presidente da Alemanha, também Macron considera a ligação transatlântica essencial, mas face às diferenças e especificidades europeias, não esgota as relações mútuas. A Europa deve ter liberdade de ação para desenvolver uma estratégia que promova os seus interesses próprios seja em relação ao mediterrâneo (que não é uma política transatlântica) seja nas relações com a Rússia que não pode ser exclusivamente uma política transatlântica, ou noutras políticas. É nestes termos que o Presidente Francês defende que a Europa nos próximos 10 anos deve conceber a sua “soberania em relação a esses grandes assuntos” num “contexto interno de maior unidade e vitalidade democrática”.
A sua tónica é mais afirmativa, chamando a atenção para a necessidade imperiosa de se articular uma estratégia europeia que nos faça reafirmar como uma “potência política estratégica”, numa Europa mais soberana, unida e democrática. Considera as questões bilaterais entre a França e a Alemanha muito importantes. Mas é a nível da Europa que existe a dimensão adequada para se mudarem as coisas, e, por isso, as iniciativas franco-alemãs são para ele essenciais para fomentar o dinamismo necessário.
Face à complexidade atual apresentou a sua visão da forma como a Europa se deve articular para lhes fazer face. Para isso pensa numa Europa a vários “círculos”. Com um “coração” muito mais integrado, partilhando mais políticas comuns e melhor capacidade de decisão, rodeado por círculos progressivamente menos integrados que, no final, incluirão os países da “vizinhança estabilizada”.
Sobre as questões de segurança e defesa tem uma posição com pontos fundamentais comuns com a Alemanha. Macron acredita que temos necessidade de uma “Europa da Defesa” mais forte que não é contra, ou alternativa à NATO, mas a consequência lógica da situação que vivemos. Em que o nosso parceiro americano nos diz que devemos investir mais na nossa segurança. Mas também para que a Europa disponha de liberdade de ação para poder ter uma política externa própria. “Se não tivermos liberdade de ação não temos credibilidade na política externa”.
Se bem que não opostas ou incompatíveis, a Conferência de Segurança de Munique permitiu identificar duas aproximações políticas diversas entre a Alemanha e a França sobre a forma da Europa equacionar a sua resposta aos desafios com que nos confrontamos.
Por parte da Alemanha a tónica parece estar num esforço de aproximação e de abrangência alargada que permita ultrapassar o discurso etnocêntrico e o refluxo soberanista e nacionalista nalguns estratos sociais e países europeus. O Presidente Francês, partindo de uma leitura internacional semelhante, foca-se na necessidade prática de a Europa gerar uma capacidade real de atuação nas circunstâncias concretas atuais. E para isso dotar-se de uma entidade mais integrada, com vontade e capacidade para fazer face aos desafios e explorar as oportunidades atuais, mesmo se isso possa implicar uma certa fragmentação, desde que um coração mais integrado seja capaz de assumir a conduta necessária.
Sobre a imprescindibilidade do laço Transatlântico materializado estrategicamente na NATO, na qual a participação europeia deve respeitar os compromissos assumidos, não há diferença notável entre as posições da Alemanha e da França. Assim como não existe também desacordo sobre a necessidade de a Europa assumir maior responsabilidade pela sua segurança próprias e das regiões vizinhas o que deve ser feito, para ambos, em complementaridade e convergência com a NATO. E é isso que os cidadãos europeus expressam nas sondagens mais recentes, como iremos mostrar a seguir.
[1] Que definiu como abrangendo “qualquer nação que adote um modelo de respeito à liberdade individual, livre iniciativa, soberania nacional”
Introdução
A Conferência de Segurança de Munique (CSM) constitui um momento importante na reflexão anual sobre a segurança internacional nos seus vários cambiantes, visões e atores.
Em 2020, a 56ª Conferência de Segurança de Munique realizou-se entre os dias 14 e 16 de fevereiro e teve a participação de mais de mais de 500 decisores internacionais de alto nível.
Líderes nas áreas da política, dos negócios, da academia e da sociedade civil discutiram as crises atuais e os desafios à segurança internacional, nomeadamente da Europa. Entre eles estiveram presentes e efetuaram intervenções relevantes os Presidentes da Alemanha e da França, bem como os Ministros dos Negócios Estrangeiros de grandes potências, nomeadamente dos EUA, da China e da Rússia.
Com a consciência de que estas intervenções públicas não descrevem toda a problemática mundial, consideramo-las, no entanto, muito relevantes porque nos permitem conhecer as diferentes leituras da situação que, exprimindo as grandes linhas de pensamento político, demarcam estratégias e expõem convergências, divergências e fraturas que irão condicionar substancialmente o futuro. Requerem por isso uma análise atenta e sobre elas concentraremos esta reflexão coletiva.
A recente e gravíssima crise do Covid-19 veio fazer com que estes debates tidos há apenas dois meses parece terem ocorrido há uma eternidade. Mas não nos devemos iludir. O estado do mundo tem uma dinâmica crescente em curso e pode mesmo ocorrer que esta pandemia venha no essencial, confirmar as tendências e provavelmente aprofundar as fraturas já identificadas na Conferência[2]. Porém, pela sua especificidade, a análise das consequências politico-estratégicas do Covid-19 que são já significativas, será efetuada noutro artigo.
A Conferência de Segurança de Munique 2020 que esteve no centro do debate internacional do início do ano, passou, porém, despercebida dos media Portugueses, obscurecido pela voragem do dia a dia. E, no entanto, devia ter-nos dado que pensar. E esta é a segunda razão para que nos preocupemos em efetuar e difundir esta análise.
O Tema tratado na CSM prendeu-se especificamente com a nossa segurança, melhor com a nossa existência enquanto expressão do que convencionou chamar “Ocidente”. No Relatório que a organização publicou para a apoiar a Conferência é referido que nos últimos anos, “o Ocidente, como o conhecemos, tornou-se contestado por dentro e por fora”, estando em perda de capacidade no exterior e em desentendimento interno, fenómeno a que chamou “Westlessness”.
A questão central que nos foi colocada pelo Relatório é se, diante da competição entre as grandes potências e de uma multidão de crises sufocantes que exigem uma resposta combinada, será possível uma estratégia comum do Ocidente. Ou se, nessa impossibilidade, iremos deixar o palco para os outros. No fundo se o Ocidente tem viabilidade como expressão assumida de uma certa forma de fazer política, no mundo que se desenha. E se a Europa tem capacidade de se assumir como um espaço com unidade e vontade própria.
Sendo certo que as divergências entre os atores ocidentais são de sempre, o Relatório considera que desde há uns anos a esta parte se debatem cada vez mais as divisões mútuas no Ocidente e menos as estratégias comuns a desenvolver, e hoje parece evidente que “alguma coisa mais fundamental está a ocorrer”. Quem ouvir as intervenções de Merkel e Pence, parece que provêm de “dois mundos diferentes”.
Aceitando que antes de mais é necessário entender se existe um consenso básico na Europa em relação à sua própria estratégia e parceria com os EUA, iremos concentrar-nos sobre o que se passa no chamado “coração” da Europa, ou seja, quais as posições públicas da Alemanha e da França sobre o Ocidente e a Europa em particular.
Para isso este texto inicia-se com uma síntese do Relatório de apoio à Conferência, após o que analisamos as intervenções do Presidente Francês e as do Presidente da Alemanha bem como dos outros membros do Governo Alemão presentes. A seguir procuramos contextualizar a questão num quadro mais vasto, analisando de forma sucinta as considerações apresentadas pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros da Rússia, da China e dos EUA. No final apresentaremos algumas considerações.
Procuramos finalmente com este trabalho, alertar os nossos leitores[3], despertar o seu interesse, avivar a chama da liberdade e promover a segurança da Europa enquanto condição necessária à estabilidade, desenvolvimento e democracia, o nosso múnus na Eurodefense.
Parece-nos por isso necessário começar com uma consideração prévia, mas desafiadora. Existem diversas opiniões publicadas com visões críticas sobre a defesa europeia ou sobre a necessidade do laço transatlântico.
Qual será o desejo e a opinião das pessoas?
Parece por isso relevante lembrar duas sondagens bem recentes. A primeira do Eurobarómetro[4] de 2019, em que 74% dos cidadãos europeus apoiam a existência de uma Política Comum de Segurança e Defesa e a consideram mesmo a segunda prioridade entre as outras políticas Europeias, confirmando uma tendência sistemática e consecutivamente manifestada há mais de uma década.
A segunda sondagem,[5] foi realizada em 2019 em todos os países Aliados da NATO, incluindo a Macedónia do Norte, para melhor se procurar entender o que os cidadãos pensam da Aliança Atlântica. Esta sondagem mostra que 81% das pessoas, pertencendo a todos os países da NATO, consideram que a Aliança Transatlântica é importante. Sendo que 76% das pessoas concorda que os outros aliados venham defender o seu país se atacado e 71% consideram que o seu país devia defender outro Aliado se este fosse atacado.
São números impressionantes de entendimento público partilhado, ainda mais significativos numa altura em que a opinião pública tende a tornar-se tão fracionada. E por outro lado, são a prova de que a assunção da capacidade europeia na área da Segurança e Defesa e a do laço transatlântico assumido pela NATO não são expressões incompatíveis, pelo contrário e apesar de tudo, são consideradas opções necessárias e suportadas massivamente pelos cidadãos dos dois lados do Atlântico.
[2] Ver por exemplo: Richard Haass, em “The Pandemic Will Accelerate History Rather Than Reshape It”, Foreign Affairs, April 7, 2020; Kurt M. Campbell and Rush Doshi em “The Coronavirus Could Reshape Global Order China Is Maneuvering for International Leadership as the United States Falters” Foreign Affairs, March 18, 2020 ou Dani Rodrik, “Will COVID-19 Remake the World?”, Project Syndicat, Apr 6, 2020.
[3] A quem aconselhamos uma visita ao Site da Conferência (https://securityconference.org/en/msc-2020/) em que todas as Intervenções estão disponíveis.
[4] Standard Eurobarometer 91, Spring 2019, pag 32.
[5] The Secretary General’s Annual Report 2019, pag 22-23.
Westlessness, Uma Leitura do Mundo
O Munich Security Report 2020
Para apoiar a Conferência foi elaborado o Munich Security Report 2020 (que passaremos a designar como o “Relatório”) com o título de «Westlessness» com que pretende retratar um mundo em que não apenas o Ocidente está em perda perante o exterior, como internamente ele próprio se debilita e divide. Expressa, pois, no geral, um sentimento de insegurança e de inquietação face à crescente desvalorização do Ocidente e apresenta para debate o desafio da sua recuperação futura.
Assim sendo e tendo por base o Relatório de 2020, vamos neste trabalho analisar o seu entendimento sobre os principais atores internacionais considerados: os EUA, a China, a Rússia e a Europa. Para além disso, examinaremos ainda regiões-chave como o Mediterrâneo, o Médio Oriente e o Sudoeste Asiático, bem como as problemáticas atuais como a segurança internacional, o clima e o extremismo.
As preocupações com a evolução do Ocidente não são de agora. O Relatório lembra Oswald Spengler que já há mais de um século previa a decadência e a queda da Civilização Ocidental que não se verificou como previsto. Hoje a situação do Ocidente volta a ser tema comum em nova “literatura declinista” onde políticos, jornalistas e intelectuais reiteradamente debatem novamente o declínio do projeto ocidental.
Sendo certo que as diferenças entre as posturas e políticas dos atores ocidentais são antigas e fazem parte do processo de evolução, o Relatório considera porém que na Conferência de Munique, desde há uns anos a esta parte, se debatem cada vez mais as divisões mútuas no Ocidente e menos as estratégias comuns a desenvolver, e adverte que quem ouvir as intervenções de Merkel e Pence, “parece que provêm de dois mundos diferentes”. Isto é, coloca a questão de saber se caminhamos inelutavelmente para o afastamento mútuo.
O impacto profundo das alterações de poder relativo em curso e as rápidas mudanças tecnológicas contribuem para uma sensação de ansiedade e de inquietação. Sem dúvida que com a ascensão da China, o mundo está-se a tornar menos ocidental. Mais importante, porém, “o próprio Ocidente também pode tornar-se menos ocidental”. Sendo aceite que o Ocidente nunca foi monolítico, mas antes uma amálgama de diferentes tradições e culturas cuja composição se alterou ao longo do tempo, o facto é que existiam fatores que o mantinham unido e coeso: o apego à democracia liberal e aos direitos humanos, a uma economia livre de mercado e a cooperação internacional com as instituições internacionais. Porém esses fundamentos essenciais estão a ser atualmente postos em causa devido ao aparecimento de um campo iliberal e nacionalista ativo que, ao contrário, promove comunidades divisivas formadas por laços étnicos, culturais ou religiosos. A resposta à crise dos refugiados, à convivência inter-religiosa e intercultural ou às mudanças climáticas de alguma forma expressam essa linha divisória. Porém todos estes desafios apelam a uma solução que não pode deixar de ser tomada por todos os países a nível global.
No exterior também o Ocidente tem vindo a perder expressão. O Relatório refere que após os desgastantes empenhamentos no Afeganistão, no Iraque ou na Síria é natural uma certa precaução por parte dos governos e da opinião pública. Mas “o pêndulo oscilou muito para trás”, e os acontecimentos dos últimos meses mostram que os países ocidentais parecem ter cedido a iniciativa de lidar com os conflitos violentos a outros que não se guiam por considerações legais ou éticas, e os resultados estão longe de ser satisfatórios.
A questão central colocada é, pois, a de saber qual a capacidade atual do Ocidente para preservar os traços fundamentais que o caracterizam neste contexto de rápida evolução e de manter uma capacidade de intervenção global estabilizadora que promova uma ordem compaginável com esses traços. No fundo, qual o seu futuro do Ocidente perante estes desafios planetários.
Análise dos atores internacionais
O Relatório foca então os atores principais. Refere que os EUA enfrentam atualmente uma crise interna devido à crescente polarização partidária, mais concretamente, entre Republicanos e Democratas, o que dificulta o processo de tomada de decisões. Para além disso, esta dificuldade estende-se até à sua política externa, uma vez que historicamente, este é um país que tende a evitar entrar em compromissos militares de longo prazo. A postura atual de recolhimento, e de bilateralismo faz com que os aliados comecem a duvidar dos EUA como ator internacional previsível e empenhado nas alianças estabelecidas.
Seguidamente, temos a China, que ao contrário dos EUA, tem emergido como um ator internacional de cada vez mais relevância, tanto a nível político como económico, sendo de destacar a celebração do 70º aniversário do partido, que claramente procurou transformar na simbolização da sua ascensão contínua como “poder normativo, económico e militar, a par do Ocidente”. O Relatório nota que além de económica, a ascensão da China é particularmente relevante a nível estratégico, com a militarização no mar do Sul da China, o desenvolvimento de mísseis balísticos que podem atingir navios e bases americanas, ou a criação de uma marinha de alto mar, tendo em construção um novo porta-aviões, sendo este último, já o terceiro.
Conclui-se assim que a China tem claramente capacidade para projetar o seu poder não só no Pacífico, mas também no Ocidente. Além de que a superioridade tecnológica que possui atualmente em algumas áreas é já alarmante para alguns membros da comunidade internacional, sobretudo no que toca à inteligência artificial, tecnologia de vigilância e cibernética.
Relativamente à Rússia, o Relatório considera que este é um ator que atua na cena internacional de forma mais discricionária, eventualmente mais limitada, mas muito eficiente. No ano de 2019 averbou várias vitórias diplomáticas, sendo referida a sua readmissão no Conselho da Europa, ao mesmo tempo que conseguiu vender um sistema de defesa aérea crítico – o S-400 a um estado membro da NATO promovendo sérias dissensões internas na Aliança e consolidou a sua capacidade de se constituir como um poder estabelecido no Médio Oriente. O Relatório considera que a recente intervenção do presidente francês, na qual considerava que a Europa devia reavaliar as relações a ter com a Rússia constituiu outro sucesso relativo, dada a oposição de muitos estados europeus face à postura da Rússia na Ucrânia ou as suas ações contra os valores e instituições liberais ocidentais.
A Rússia tem continuado uma política de antagonismo em relação ao Ocidente e à UE que atingiu um ponto de rotura perante a invasão da Ucrânia e ocupação da Crimeia. Face à crise de relações com o Ocidente, a Rússia tem acelerado o seu envolvimento noutras regiões que incluem a América Latina ou a África além do Médio Oriente. E, mais significativamente, na sua aproximação à China nomeadamente na área militar. No entanto, o Relatório considera existir algum ceticismo quanto à sustentação futura desta aliança nomeadamente perante a influência profunda da China na Rússia Oriental e na Ásia Central, dada a profunda assimetria de capacidades em jogo.
Vivendo atualmente num clima de estagnação económica e perante uma proposta de sistema de pensões impopular o apoio a Putin tem decrescido. O que pode ter tido impacto nos ajustamentos políticos de 2020 e nas ações de revisão constitucional em curso.
Estratégia Ocidental Comum?
O Relatório interroga-se a seguir se é possível uma Estratégia Ocidental Comum, referindo a afirmação do presidente francês, Emmanuel Macron de que a Europa “se não se puder considerar uma potência global, desaparecerá porque sofrerá um forte choque“. No entanto considera necessário ter-se em atenção que a Europa não é um Estado único, mas sim como uma união de Estados caracterizada pela sua multiplicidade e condições socioeconómicas díspares. Assim, a estratégia que a Europa deve seguir tem de passar por uma maior coordenação entre os Estados membros da UE, de modo a que apesar das suas diferenças, consigam atuar na cena internacional como um todo.
Tendo em conta o contexto atual, marcado pelo declínio do Ocidente e a ascensão de novas potências globais, como a China, a Índia e o Brasil, começa a tornar-se imperativa uma estratégia comum entre os países ocidentais. Todavia o Relatório considera que atualmente na Europa esta abordagem comum não tem sido evidente, como o provam as divergências Franco-Alemãs por exemplo em relação ao alargamento aos Balcãs, ou à aproximação à Rússia com Angela Merkel a mostrar preocupação pela possível exploração pelos outros poderes do vazio de poder deixado pela Europa no Médio Oriente, enquanto o presidente francês partilha uma visão mais voltada para o fortalecimento da Europa, mesmo que à custa das relações transatlânticas.
Dinâmicas Regionais
Na região do Mediterrâneo, a principal questão a apontar é a crise dos refugiados, uma problemática que tem sido prolongada, tem gerado significativas divisões internas e para a qual os países europeus parecem não ter ainda encontrado solução comum. No entanto, é um fenómeno que necessita urgentemente de ser equacionado, tendo em conta que este fluxo de pessoas continua e devido ao desespero, muitos refugiados usam rotas e enfrentam condições perigosas para a sua vida tentando chegar à Europa.
Podemos ainda apontar que a zona europeia precisa de reformas sociais, políticas e económicas uma vez que as taxas de desemprego em alguns países permanecem muito altas e, por outro lado, o crescimento económico parece continuar estagnado apesar da ligeira melhoria recente.
No fim de 2019 e início de 2020, o Médio Oriente esteve no centro da política internacional devido primeiramente, ao ataque da embaixada dos EUA em Bagdade por uma milícia apoiada pelo Irão e subsequentemente, à resposta dos EUA a este ataque, que consistiu numa operação militar, com recurso a drones, que matou o general iraniano Qassem Suleimani. Embora este acontecimento tenha aumentado as tensões a nível internacional, um cenário de guerra foi felizmente evitado.
No entanto, o Irão é um ator internacional que não deve ser desvalorizado pelo Ocidente, visto que é um ator regional influente com vários países e organizações aliadas ou subsidiadas e conta com a neutralidade de diversos outros estados.
O sudoeste asiático tem enfrentado algumas tensões e rivalidades entre as principais potências da região, como a Índia e o Paquistão, nomeadamente envolvendo a região da Cachemira. Sendo que no ano passado, um jovem desta região cometeu um atentado, matando alguns soldados indianos, o que por sua vez, suscitou uma resposta por parte da Índia e contrarresposta do Paquistão. Esta situação torna-se mais complexa, devido à presença da RPC na região, no entanto deve ser tido em consideração que esta última pretende uma estabilização e diminuição das tensões, já que a sua iniciativa “Uma Rota, Uma Faixa” passa por aí.
Problemas
O Relatório refere que um dos maiores problemas que tem posto em causa a estabilidade das democracias liberais é o aparecimento de fenómenos populistas no Ocidente. Estes apelam ao nacionalismo como uma solução para enfrentar dilemas globais e põem em causa o multilateralismo, procurando fundamentar as suas políticas através de slogans falaciosos que promovendo fechamento e protecionismo dos países. Mais recentemente, com a saída do Reino Unido da União Europeia, assistimos de certa forma à concretização dessa tendência divisiva.
Estas ideologias aproveitam-se de acontecimentos como os ataques terroristas e a atual crise dos refugiados para fomentar o medo entre as pessoas e provocar disrupção social bem como um certo clima de intolerância e xenofobia.
Para além disso, existem certos problemas que perduram no tempo como por exemplo as várias guerras e conflitos na Síria e as intervenções tanto no Afeganistão como no Iraque, que têm sido relativamente marginalizadas devido ao aparecimento dos “problemas” acima mencionados. Por seu turno, o direito internacional, em vez de ser cada vez mais consolidado pelos Estados, tem vindo a ganhar uma interpretação dual, sendo por vezes utilizado para justificar ações “questionáveis” praticadas pelos atores internacionais.
O Relatório refere que depois da Guerra Fria, os países ocidentais dispuseram de uma grande liberdade de ação para se envolverem na gestão de conflitos em quase todos os continentes, visto que contavam com o apoio do Conselho de Segurança da ONU. No entanto, esta realidade foi-se alterando quando as tensões entre as grandes potências se intensificaram. Ao mesmo tempo, começou-se a sentir uma certa relutância entre os aliados em se envolver em conflitos externos, o que teve consequências, visto que estes em vez de se extinguirem, se tornaram mais violentos.
A validade da NATO, mais concretamente, a sua capacidade militar, tem sido questionada nas últimas décadas face ao novo contexto internacional decorrente do desaparecimento do Bloco de Leste e ao avanço que alguns países têm realizado em áreas como a inteligência artificial, recursos espaciais e produção de mísseis hipersónicos. Segundo o Relatório há até quem ponha em causa a relevância da manutenção desta aliança, tendo em mente a desagregação da União Soviética e os problemas que esta atualmente enfrenta. No entanto, a UE não possuindo ainda um programa sólido de defesa, continua a ver na NATO um apoio necessário para garantir a sua segurança. A política de segurança e defesa europeia tem evoluído no sentido de criar melhores condições para conduzir as tarefas de gestão de crises que especificamente considera como a sua missão específica, ao mesmo tempo que procura equipar-se com as capacidades úteis à NATO. É de referir que os países europeus membros da NATO têm, desde 2014, aumentado sistematicamente os seus gastos com a defesa.
Apesar desta aparente fragmentação no Ocidente, o Relatório considera que a questão do Brexit nos mostrou também que quando necessário, os países da União conseguem juntar-se para enfrentar um problema comum.
Conclusão
O Relatório descreve uma conjuntura Ocidental dominada por questões que se revelam fraturantes ao nível ideológico introduzidas pelo crescimento da demagogia ou do populismo bem como do papel assertivo de potências como a Rússia ou a China no palco das relações internacionais. Manifesta preocupação com a instabilidade interna e a falta de uma resposta coletiva, coerente e a uma só voz dos países ocidentais, quando confrontados com problemas complexos no cenário internacional.
Refere que o debate em torno de estruturas ocidentais, como a NATO, demonstra as divergências atuais, notando que as vozes que promovem a debilidade da resposta das instituições comuns e internacionais existentes podem indiciar a perda de uma identidade ocidental tradicional. O que sugere a necessidade urgente de se estabelecer um panorama de coesão e uma resposta clara e coletiva às ameaças identificadas.
De facto, num período de declínio relativo do ocidente e da ascensão do mundo não-ocidental parece ainda mais necessária uma estratégia comum Ocidental. E, no entanto, são múltiplas as diferenças mútuas em relação a questões cruciais que vão desde o comércio global, às alterações climáticas, ou ao aquecimento global. Divisões que os outros exploram naturalmente a seu favor.
Porém o futuro não está determinado e o Ocidente tem ainda razões essenciais para manter o seu “otimismo liberal”. Apesar do complexo contexto atual os governos autocráticos não caminham necessariamente para “uma série de vitórias sem fim”. Uma análise mais profunda revela as suas próprias dificuldades e crises internas perante as quais os desafios ocidentais parecem questões menores. O Relatório refere nomeadamente as profundas questões económicas e demográficas com que a Rússia se confronta e as políticas crescentemente autoritárias na China, que têm desencadeado uma nova vaga de críticas internas tanto entre intelectuais como de quadros. Para ambos, tem vindo a tornar-se mais difícil fazer face ao descontentamento interno. Ao contrário, o Ocidente tem os princípios e os recursos institucionais necessários a uma recuperação que lhe poderá dar vantagens de longo prazo num ambiente competitivo.
Apesar do sentimento generalizado de quebra para com a conceção tradicional de Ocidente, o relatório conclui que existe uma mobilização generalizada para o reforço das capacidades de defesa, e uma crescente vontade para estabelecer esforços coletivos perante adversários comuns como é o caso das ameaças em campos como o da cibersegurança. A possibilidade de uma estratégia comum permanece no centro da discussão, numa altura em que o presidente francês Emmanuel Macron reitera a urgência de uma resposta coletiva às ameaças com que a Europa se confronta.
Tendo em mente o contexto de “competição entre as grandes potências”, tanto os EUA como a Europa têm de considerar como reagir coordenadamente e com que políticas. Para a União Europeia a tarefa é claramente mais complicada, porque a essência da sua criação foi a de ultrapassar o conflito entre as potências do continente. A sua tendência “natural” nas relações internacionais é pois a de promover o recurso às instituições multilaterais que estiveram no centro do seu próprio sucesso. A Europa terá, contudo, de agir no mundo que existe e por isso de criar as capacidades para “atuar com credibilidade no cenário global”. E o primeiro desafio mútuo será o de estabelecer uma abordagem transatlântica comum ou ocidental mais ampla, tornada cada vez mais necessária como demonstram as dificuldades em lidar com a Rússia, a China ou com os problemas da nuclearização do Irão.
O Relatório acentua ainda que os problemas mundiais atuais (como as alterações climáticas) são tão profundos e complexos que não podem ser resolvidos apenas pelo Ocidente, pelo que para lhes fazer face é necessária uma vasta cooperação internacional.
Em síntese, o Ocidente necessita, portanto, de uma “estratégia de via dupla” para a nova era da competição de grandes potências. Tem que cooperar com os Estados relevantes onde for do seu interesse, mas ao mesmo tempo fortalecer a coesão ocidental para fazer face a um ambiente ainda mais competitivo no futuro.
Bárbara Granjeiro
Mihaela Rotaru
Miguel Dias
Enquadramento Europeu
A Visão Alemã: Por uma Segurança Cooperativa
A Chanceler alemã Angela Merkel não pôde estar presente, como é habitual, na edição deste ano. A comitiva germânica incluiu o respetivo Presidente Frank-Walter Steinmeier, o Ministro do Negócios Estrangeiros Heiko Maas e Annegret Kramp-Karrenbauer, a Ministra da Defesa.
Nos discursos das três figuras de Estado da Alemanha presentes foi evidente o alerta e a preocupação com o estado em que se encontra a ordem internacional devido às mudanças geopolíticas estruturais que se têm vindo a verificar nos últimos anos e seu impacto negativo na Europa. É comum o seu entendimento de que “quando falamos em governança mundial nos seus vários domínios, falamos acerca de um Ocidente enfraquecido.”[6]
O Presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier[7] começou por constatar as profundas diferenças ocorridas no mundo desde que, em 2014, participou na Conferência. Alterações que ocorreram tanto dentro das nossas sociedades, como no campo internacional.
No campo interno, lembrou que o discurso do ódio está a alastrar e de volta ao debate político. Os “espíritos malignos do passado – pensamento etnocêntrico, racismo, anti-semitismo – estão a surgir em uma nova roupagem” nomeadamente na Alemanha e a envenenar uma vez mais o debate público. Recordou como há 75 anos “a catástrofe do nacionalismo excessivo” levou à guerra mais destrutiva na Europa e como o mundo lhe tinha respondido com um sucesso que se manteve até hoje, nomeadamente pela criação das Nações Unidas, a Instituição concebida para reunir todos os estados num esforço coletivo para preservar da paz e a segurança internacional; pelo estabelecimento de um sistema de comércio livre e de apoio financeiro promovidos pelo sistema de Bretton Woods; bem como pela assunção da Declaração Universal dos Direitos Humanos que impôs padrões elevados de conduta a todos os Estados e nomeadamente nas suas relações com os seus próprios cidadãos.
Considerou por isso necessário empenharmo-nos novamente hoje na defesa do “respeito elementar pela dignidade do indivíduo” e, na verdade, a lutar pelas nossas “sociedades abertas”.
No campo externo, Steinmeier lembrou os passos dados em 1975, no meio da guerra-fria, em Helsínquia e, no seu final, com a assinatura da Carta de Paris, Acordos que contribuíram decisivamente para nos garantir a “estabilidade, orientação e esperança no que há muito tempo era uma variedade anárquica de estados”. Porém hoje nota-se uma “dinâmica crescentemente destrutiva na política internacional”, em que, ano após ano, nos afastamos mais da cooperação internacional, fundamento que considera essencial à criação de um mundo mais pacífico. Pelo contrário, é a “ideia da competição entre as grandes potências que está não apenas a influenciar o pensamento, mas a dar efetivamente forma a uma nova realidade no mundo”.
Apresentou então alguns casos demonstrativos desta realidade emergente referindo-se nomeadamente à Rússia pela anexação da Crimeia e pelo uso da força militar para redesenhar as fronteiras no continente, o que fez aumentar dramaticamente a incerteza, a imprevisibilidade e a falta de confiança internacional. Citou a China que se tornou um importante ator nas relações internacionais e indispensável para proteger os bens comuns globais, mas que, ao mesmo tempo, é seletiva na aceitação da lei internacional de acordo com as suas conveniências, notando as suas ações no mar do sul da china que instabilizam os vizinhos na região, ou as perturbadoras ações contra as minorias no país. Referiu-se à atual Administração norte-Americana que parece “rejeitar o conceito de comunidade internacional” e promove o conceito de great again “se necessário mesmo à custa dos vizinhos e parceiros”.
Considera, portanto, que no atual contexto internacional, a procura de segurança por cada potência, tem levado, na prática, à insegurança dos outros o que nos leva inevitavelmente a mais desconfiança mútua, mais armamentos e, no final, menos segurança geral. As instituições como as NU, que nos auxiliaram a ultrapassar as atitudes baseadas exclusivamente nos interesses nacionais e a promover a paz são hoje “deliberadamente enfraquecidas” e o Conselho de Segurança está num “impasse” em relação a questões-chave da segurança coletiva. Convenções acordadas e ratificadas estão a ser abandonadas e existe um ambiente de desconfiança que demorará décadas a ultrapassar. O que considera extremamente perigoso.
Recolher para as nossas “conchas nacionais” num momento destes levar-nos-á “a um beco sem saída, a uma idade verdadeiramente sombria”. “Somente o conceito de ordem global – e somente ele – oferece a oportunidade de formular respostas persuasivas aos desafios do Antropoceno”. “Seria perigoso para todos nós, grandes e pequenos, abandonar essa ambição ou descartá-la como uma fantasia idealista”. E cita Henry Kissinger que a propósito disse que “o mundo precisa de um conceito de ordem que vá além das perspetivas e ideais de regiões e nações individuais”, frase que considera resumir de forma lapidar o desafio das políticas externa e de segurança de hoje.
Quanto à Europa, Steinmeier refere as crescentes fraturas económicas e ideológicas pelo que considera óbvio que não nos temos vindo a aproximar mutuamente e a culpa não é só dos outros interrogando-se sobre quantas vezes temos um discurso contrário ao desejo que nos fez juntar para construir uma Europa enquanto “comunidade com um destino comum”. Porém as nossas dificuldades não advêm só das nossas diferenças internas. Hoje não mais podemos assumir que as grandes potências têm interesse numa integração bem-sucedida da Europa. Pelo contrário, o que se verifica é que promovem os seus interesses mesmo se à custa da unidade europeia. O que é uma situação nova e complexa para a Europa.
Por isso considera que a primeira necessidade que temos hoje é a de “manter junta a Europa unida” que criamos e que para isso necessitamos de capacidades próprias e de políticas acertadas.
Uma área importante é a definição da nossa política na área de segurança que, do ponto de vista alemão, considera dever ter uma responsabilidade dupla. Para ele, a construção de uma política de defesa europeia é tão relevante como a participação no pilar europeu da NATO. Mais, dadas as diferentes preocupações de segurança (os países do Leste da Europa consideram em geral a sua segurança primariamente ligada à NATO/EUA), se optássemos por apenas uma das delas, isso levaria à divisão da europa. Além de que a europa está longe de poder assumir a responsabilidade plena pela sua defesa.
Dito de outra forma, se queremos uma europa unida temos de continuar a investir nos nossos laços transatlânticos. Mas por outro lado, só uma Europa que pode e quer proteger-se de forma credível poderá manter a aliança com os EUA. A Europa já não é vital para os EUA e o novo “centro de gravidade” dos EUA tem-se vindo a deslocar para a Ásia pelo que o investimento Europeu na segurança regional ganha utilidade mútua e tem que ser olhado nesse contexto. Porém o que devemos esperar é que, tal como no passado, a América olhe para integração Europeia, como um projeto extremamente válido e de efetivo interesse comum.
Chama a seguir a atenção para o facto de que, apesar de necessária, a maior capacidade de segurança e defesa europeia não resolve todos os problemas com que nos debatemos e mesmo que gastássemos mais que 2% na nossa defesa não seríamos capazes de fazer reverter a erosão crescente da ordem internacional. A Europa necessita de outras políticas seja na área diplomática, no controlo de armamentos, ou em acordos internacionais. Políticas que culminem no esforço para se regressar a uma situação em que todos e em particulares os maiores respeitem a lei internacional.
O que passa também por “integrar a segurança dos outros na nossa própria segurança”. A Europa necessita de formular uma política em relação à Rússia que não se limite a declarações condenatória e a sanções. Encontrar um novo equilíbrio com a China que perspetive a crescente competição com a necessária cooperação, devendo termos igualmente em consideração os outros importantes parceiros Asiáticos. Necessitamos de promover iniciativas próprias para conter e acabar com os conflitos nas áreas vizinhas da nossa União, seja no Leste ou a Sul, nomeadamente na Líbia, no Sahel ou no Médio Oriente.
Sobretudo, diz Steinmeier, se bem que a nossa agenda não deva ser a de ocidentalizar o mundo, não podemos abandonar o projeto normativo de criar um sistema de governação em que a dignidade humana seja um objetivo fundamental ao lado da paz e segurança e em que “a força de lei esteja acima da lei da força”.
As outras intervenções dos representantes alemães partilham, na essência, a mesma visão e análise. Muito mais do que uma região no mapa, referem-se a um Ocidente enquanto ideia, um conjunto de princípios e valores assentes numa sociedade livre que respeita os direitos humanos fundamentais, no Estado de Direito e na separação de poderes. Uma ideia que defende uma ordem internacional justa, que favoreça a liberdade e regida à luz do direito internacional. Esta visão ocidental tem sido bastante desafiada nos dias que correm, não apenas em termos ideológicos, mas através de ações concretas. Os seus inimigos têm hoje não só a vontade, mas também o poder para agir.
Neste “mundo em desordem”[8], tem se vindo a verificar um retroceder na cooperação internacional sem precedentes. Perante estas importantes mudanças estratégicas e geopolíticas, a delegação alemã desafia-nos a refletir sobre como se deixou a situação chegar a este ponto. A Alemanha considera que mantivemos os olhos fechados durante demasiado tempo, a Europa não pode ser um ator neutro num cenário marcado pela competição entre as grandes potências. Ficou-se a comentar e a reclamar com atos de terceiros por demasiado tempo, sem transformar palavras em ações para assegurar a segurança e defesa europeia.
Qual é o dever dos europeus para alterar a situação? “Somos e continuaremos a ser parte do Ocidente, estamos fortemente estabelecidos no lado da liberdade e da democracia. Estamos pelo multilateralismo, pelo comércio livre e justo e por sociedades livres. Para fazer prosperar estes princípios devemos reforçar importância da Europa na política internacional, desenvolvendo uma capacidade de ação conjunta mais eficiente, queremos e somos capazes para tal[9].”
De forma a alcançar uma política de segurança e defesa europeia mais efetiva, foi referida a necessidade de as ações entre os europeus serem melhor coordenadas internacionalmente, e se tornarem mais visíveis de forma a demonstrar o esforço que estamos a desenvolver. A Europa necessita não apenas de firmar a sua posição neste ambiente competitivo marcado pelo confronto entre as potências EUA-China, como definindo uma clara abordagem a ter para com uma Rússia que desafia e pressiona diversos Estados europeus através de ataques híbridos, da Ucrânia, Lituânia até ao Reino Unido. Mas também nas zonas de vizinhança a sul desde África até ao Médio Oriente.
Os europeus já têm feito bastante mais pela sua segurança, gestão de crises internacionais e prevenção de conflitos, mas ainda não é o suficiente. O sofrimento da população síria e os impactos estratégicos visíveis deste conflito demonstram claramente as consequências a que podem levar esta inação da Europa. A reconstrução da Síria deve ser articulada com uma solução política sustentável. A Rússia, Turquia e outros Estados podem estar a “controlar” a situação a curto prazo, em regiões da Síria ou da Líbia através do fornecimento de armas, soldados e mercenários. Mas continua a faltar encontrar uma verdadeira solução, com abordagens que assegurem estabilidade e paz a longo prazo.
Os responsáveis alemães alertaram para a necessidade da Alemanha se envolver mais militarmente, tendo por base um maior empenhamento político. A defesa alemã também passa por regiões como o Iraque, Líbia e o Sahel. A Alemanha e a Europa devem evitar repetir as mesmas falhas que tiveram noutras regiões conflituosas. Devem ser definidos objetivos políticos quanto à região do Sahel, fundamental para a Europa em matérias de migrações e ameaça de terrorismo. A Alemanha continua, porém, a ser um parceiro empenhado e de confiança. Faz parte da VJTF (Very High Readiness Joint Task Force) da NATO, está presente no Mali e no Iraque. Deve também manter o seu empenho militar no Afeganistão, onde é o segundo maior contribuidor de tropas. Relativamente ao Estreito de Ormuz, a Alemanha defende uma abordagem comum europeia nessa região de elevada sensibilidade para a estabilidade na região e a livre navegação global.
Tem existido também o foco em desenvolver uma maior disponibilidade operacional das forças armadas germânicas, de forma a melhorar consideravelmente os equipamentos e poder de combate. A Alemanha tem estado a cumprir a sua promessa aos aliados da NATO em aumentar as suas despesas em defesa, ano após ano. Deve fornecer à NATO 10% de todo o equipamento necessário precisando, para tal, de um orçamento em defesa equivalente a 2% do seu PIB ainda não atingido. Projetos como o “Sistema de Combate Aéreo Futuro”[10] e o “Sistema Principal de Combate Terrestre[11]”, considerado o carro de combate do futuro, onde a Alemanha, conjuntamente com a França, tem sido pioneira contribuirão para reduzir as limitações tecnológicas e melhorar a capacidade e eficácia dos meios europeus. Existe uma nova realidade geopolítica e a Europa tem de se adaptar, têm que ser desenvolvidas políticas para ultrapassar atrasos tecnológicos em dimensões além da militar, como na tecnologia nomeadamente por uma maior cooperação em áreas como a Inteligência Artificial e a Computação Quântica.
A era de uns Estados Unidos da América omnipresentes enquanto “polícias mundiais” chegou a um fim, não porque careçam de poderio económico ou militar mas porque a Administração norte-americana perdeu significativamente o seu empenho nessas responsabilidades para com a ordem internacional. Apesar desta mudança repentina na diplomacia e política externa norte-americana, devemos preocupar-nos em gerar uma nova dinâmica transatlântica, através de uma maior contribuição europeia. Precisamos de um verdadeiro debate político acerca de como se deve comportar esta aliança transatlântica no séc. XXI, com as novas realidades e desafios que enfrentamos nos dias de hoje.
Nesta mesma conferência há seis anos atrás, a Alemanha foi chamada a assumir uma maior responsabilidade. Ainda assim, não se cumpriu na totalidade a promessa de 2014, em relação à qual ainda não foi feito o suficiente. O consenso alcançado em Munique deve converter-se em ações. Só assim será possível assegurar e consolidar a ordem internacional liberal e esta ideia do Ocidente.
Duarte Lopes Navarro
Pedro Gambôa
[6] Kramp-Karrenbauer, Discurso na 56ª Conferência de Segurança de Munique, no dia 14 fev. 2020
[7] Frank-Walter Steinmeier, Discurso na 56ª Conferência de Segurança de Munique, no dia 14 fev. 2020
[8] Maas, Discurso na 56ª Conferência de Segurança de Munique, no dia 14 fev. 2020
[9] Kramp-Karrenbauer, Discurso na 56ª Conferência de Segurança de Munique, no dia 14 fev. 2020.
[10] Tradução de “Future Combat Air System”, projeto para desenvolver o “Caça da 6ª geração”, lançado inicialmente pela Alemanha e a França a que se juntou já a Espanha. Em curso está a participação do Reino Unido e da Suécia.
[11] Tradução de “Main Ground Combat System” projeto para desenvolver o “Carro de Combate do Futuro”, lançado igualmente pela Alemanha e pela França.
A Visão Francesa: Por uma Estratégia Europeia
“Je pense que le projet des fondateurs de l’Europe et ce qui a fait que nous vivons en paix depuis 70 ans c’est précisément que nous avons rompu avec deux millénaires de ce que le droit médiéval appelait le translatio imperii, le transfert d’empire, c’est-à-dire des politiques hégémoniques successives”[12]
Um dos oradores da Conferência foi o Presidente Emmanuel Macron, que a 15 de Fevereiro de 2020 apresentou uma visão dos problemas com que nos debatemos e das vias para a sua ultrapassagem que vale a pena recordar e mesmo de alguma forma combinar com o que tinha sido a sua alocução no Eliseu, uma semana antes, aos estagiários da Escola de Guerra. No geral, o Presidente Emmanuel Macron aceitando as dificuldades atuais com que a Europa se debate manteve uma visão otimista e encarou estes novos desafios como ultrapassáveis. A seu ver, a UE tem toda a capacidade para recuperar, retomar os seus valores, restaurar a sua união e prolongar a sua Democracia.
No início da sua alocução na Conferência, Macron reconheceu o enfraquecimento atual do Ocidente referindo que embora há umas décadas pensássemos que os nossos valores se iriam tornar universais, nesta altura verificamos que estamos a ser “empurrados” por outros projetos e outros valores que emergem.
Macron citou naturalmente a emergência da China que deve ser tomada em conta, mas também de alguns atores regionais “que não partilham os nossos valores” como a Rússia ou a Turquia, mas que estão na nossa vizinhança. Referiu-se à política Americana que desde há vários anos tem vindo a assumir uma postura de relativa retração internacional e em todo o caso uma certa “reconsideração da relação com a Europa” situação que entende dever ser equacionada com frontalidade. E lembrou que a Europa tem uma área vizinha – a África que pode constituir uma fonte formidável de oportunidades se nos dedicarmos a ela e soubermos vencer em conjunto as questões da demografia e do desenvolvimento.
Daí parte para a afirmação de que existe a necessidade imperiosa de se articular uma estratégia europeia que nos faça reafirmar como uma “potência política estratégica”, numa Europa mais soberana, unida e democrática.
Na sua perspetiva, num horizonte de uma década a Europa deve desenvolver as capacidades que lhe permitam construir a sua soberania tecnológica, de segurança e defesa, sobre os assuntos migratórios, as questões alimentares, climáticas e ambientais, bem como nas relações com a vizinhança alargada, ou seja, dotar-se de uma política com a Rússia, com o Médio Oriente e com a África. O que o levou a apresentar a sua visão sob forma como a Europa se deve articular para levar a cabo tal tarefa. Defende para isso a necessidade de se pensar numa Europa a vários “círculos”. No centro existirá “um coração” muito mais integrado em que se dê prioridade ao conjunto, que leve à soberania real da zona do euro afirmando a sua credibilidade nesta área. Com regras de decisão modernizadas e menos votações por unanimidade e partilhando de mais políticas comuns, poderosas e credíveis. Noutro nível existirão círculos de “parceiros” que partilhem o mercado comum ou outras regras comuns e convergências. A seguir, uma área de “política de vizinhança comum” com países menos integrados e, finalmente, uma área de “vizinhança estabilizada”.
Quanto às relações com os EUA, Macron refere a existência de valores comuns essenciais como o da liberdade que nos fizeram estar lado a lado nas guerras em que esses valores estiveram em causa, mas isso não esgota as relações mútuas. A Europa deve ter liberdade de ação, independência para desenvolver a sua própria estratégia, dado que tem especificidades evidentes e interesses que lhe são próprios. Na geografia, mas também na igualdade ou nos equilíbrios sociais, na cultura, ou nas questões de vizinhança seja em relação ao mediterrâneo (que não é uma política transatlântica) seja nas relações com a Rússia que não pode ser exclusivamente uma política transatlântica. É nestes termos que o Presidente Francês defende que a Europa nos próximos 10 anos deve conceber a sua “soberania em relação a esses grandes assuntos” num “contexto interno de maior unidade e vitalidade democrática”.
No que se refere às questões bilaterais entre a França e a Alemanha nomeadamente sobre a resposta Alemã às suas propostas, Macron referiu os diversos sucessos conjuntos dos últimos anos seja no desenvolvimento do grande projeto do Sistema de Combate Aéreo do Futuro[13], ou no desenvolvimento do Sistema Principal de Combate Terrestre seja em muitas outras iniciativas como as integradas na Europa da Defesa, ou nas universidades. Porém considera que a nossa questão atual é mais profunda.
Macron considera que “a nossa crise é uma crise das democracias europeias e da classe média europeia”. “Hoje as pessoas duvidam da Europa e mesmo da ideia de democracia – o extremismo aumenta e da nossa capacidade de promover uma resposta comum”.
E, no entanto, é a nível da Europa que é possível mudar as coisas. A Europa tem segundo ele a “escala certa”, e por isso considera que as iniciativas franco-alemãs permitem avançar de forma mais rápida, mais forte e com mais ambição. No fundo considera que sem esse dinamismo não se avança.
Considera que a grande questão atual que temos em conjunto é a de saber se temos capacidade para responder com rapidez à magnitude dos problemas atuais. Como responder numa perspetiva europeia nomeadamente às divisões Norte-Sul geradas com a crise financeira, ou Leste-Oeste sobre a crise migratória. “Se o par franco-alemão não souber trazer e com ele todos os parceiros europeus a uma resposta clara a esses desafios, a esses assuntos e uma perspetiva futura para a classe média, teremos cometido um erro histórico.”
Quanto às questões de Segurança e Defesa, e nomeadamente sobre as relações entre a EU e a NATO, Macron acredita que temos necessidade de uma “Europa da Defesa” mais forte, mas que este projeto não é contra, ou alternativo à NATO. Segundo ele a segurança colativa Europeia tem dois pilares: a NATO e a Europa da Defesa. Esta não é uma alternativa, mas a consequência lógica da situação que vivemos. Em que o nosso parceiro americano nos diz que devemos investir mais na nossa segurança que tem vindo a diminuir desde a queda do Muro de Berlim. Desde a Administração Obama que se verifica um reposicionamento estratégico dos EUA com menos investimento no Médio Oriente e maior preocupação em relação ao Pacífico, ao mesmo tempo que nos dizem que “a Europa deve assumir as suas responsabilidades em termos de vizinhança”.
Macron pensa que temos claramente necessidade da NATO. Mas temos que construir em coerência com a NATO e em relação a nós próprios e em resposta ao pedido americano, uma capacidade própria que nos dê credibilidade face ao parceiro americano, no que diz respeito à melhoria da nossa capacidade de nos protegermos e de conduzir ações úteis, mas também para ter uma liberdade de ação. Porque isso é também muito importante para podermos ter uma política externa. Se não tivermos liberdade de ação não temos credibilidade na política externa e não podemos ser o “parceiro junior” dos EUA porque por vezes temos desacordos que é necessário assumir, como em relação ao processo de desnuclearização do Irão. Por isso temos que ter uma política de defesa.
Durante o discurso na Escola de Guerra, Macron deu o exemplo de três ruturas que considera determinantes para caracterizar o contexto internacional de segurança. Julgamos importante juntá-los a esta análise para nos ajudar a entender melhor o seu raciocínio.
Em primeiro lugar indica que existe uma rutura de ordem estratégica. Segundo ele desenha-se uma alteração na hierarquia das potências, sendo evidente a atual competição estratégica global que pode levar no futuro a acidentes inesperados ou a uma escalada militar descontrolada.
Várias consequências e tendências pesadas terão um impacto marcante no futuro:
- A competição em curso entre a China e os EUA irá condicionar no futuro a estrutura e realinhamento das relações internacionais;
- Em consequência, a estabilidade estratégica na Europa exige “mais do que o conforto da convergência transatlântica estabelecida” com os Estados Unidos. A Europa deverá, pois, assumir maior autonomia nomeadamente nas relações com as nossas áreas vizinhas a leste e a sul;
- E, finalmente, o esbatimento entre as políticas de cooperação e confrontação, entre os estados bem definidos de paz, crise ou guerra deixa várias “áreas cinzentas” que tem permitido a coberto de conflitos híbridos ou assimétricos ações de influência ou de intimidação que podem degenerar em conflitos.
Estas tendências têm tido consequências nos sistemas de defesa que a europa não poderá ignorar. Desde a aceleração dos programas de rearmamento em que as outras potências estão empenhadas, nomeadamente na área nuclear à proliferação e capacidade dos mísseis, atualmente já na posse de potências regionais, que podem agora alcançar o território europeu. Ou ao tabu das armas químicas quebrado várias vezes na Síria, na Malásia ou mesmo na Europa.
Em segundo lugar, refere a rutura de ordem política e jurídica. No fundo, a crise do multilateralismo e do recuo do Direito Internacional. Segundo Macron, a própria ideia de uma ordem multilateral baseada em lei, onde o uso da força é regulamentado e onde os compromissos assumidos são respeitados são cumpridos tem vindo a ser posta em causa. A Europa está diretamente exposta às consequências dessa desconstrução. Desde a década passada, a arquitetura de segurança europeia tem vindo a ser gravemente afetada. “O bloqueio das negociações sobre armamentos convencionais, o fim, em 2019, do tratado sobre forças nucleares intermediárias é o símbolo dessa desintegração”.
Face a este cenário, a Europa não deve assumir o papel de espetador no que diz respeito à proliferação do armamento convencional e nuclear, permitindo que outras nações fora do seu território geográfico utilizem o solo europeu como um palco para todo o tipo de confrontações.
Por último, é abordada a rutura tecnológica. Ao contrário do que possamos pensar, o avanço tecnológico não tem um fim somente comercial. É um setor crucial para o nosso armamento. A tecnologia, juntamente com a inteligência artificial estão repletas de oportunidades, mas também podem revelar-se numa ameaça. Os ataques cibernéticos colocam os Estados em constante perigo, e com necessidade de acompanhar as novas vertentes tecnológicas. A Europa não domina autonomamente esse campo, em comparação com os EUA ou a República Democrática da China.
Com a saída do Reino Unido, o presidente acredita que os laços não desaparecerão. A UE tem que continuar a colaborar com o Reino Unido nas mais diversas áreas, sobretudo no domínio da segurança.
Após apresentar três falhas, Macron decide anunciar quatro pilares estratégicos para a França que poderiam contribuir para uma Europa firme, autónoma e soberana: a promoção do multilateralismo, uma vez que a falta deste constitui a segunda rutura acima mencionada; um desenvolvimento de parcerias estratégicas (louvando a França na facilidade de estabelecer parcerias com outros países); a procura de uma autonomia europeia e, finalmente, a soberania nacional.
Relativamente à promoção de multilateralismo eficiente o objetivo do Presidente francês é o de procurar alcançar uma paz sólida e duradoura pela cooperação e ação conjunta sem recurso às ameaças às outras potências. E isso depende substancialmente de se aceitarem e respeitarem relações internacionais baseadas na lei.
Dado isto, Macron afirma que espera ver um trabalho de equipa entre os principais parceiros da Europa de maneira a que se fortaleça o Direito Internacional, levando a que haja confiança, transparência e reciprocidade proporcionando assim a devida segurança coletiva.
Existe uma crise provocada pela falta de capacidades militares que colocam em risco a segurança da França e da Europa, pelo que não se pode ignorar a questão do armamento. É crucial organizar um diálogo sobre a postura estratégica da UE, que deve incluir a questão da dissuasão nuclear e obter, desta forma, um “efeito estabilizador”. Ainda assim, a Europa poderá confrontar-se com uma corrida ao armamento convencional e ao aumento do alcance dos sistemas com capacidade para atingir o nosso território, pelo que as nações europeias acabarão por perceber que é necessário haver um aumento das armas inclusivamente nucleares, levando a que os europeus não sejam meramente espetadores, enquanto os verdadeiros atores são a Rússia, os EUA e a China.
Assim, neste contexto, o pilar do desenvolvimento de parcerias estratégicas deve traduzir-se numa aliança entre os europeus para melhorar uma defesa mútua entre os mesmos. O que não é contra a ligação transatlântica, mas permitirá uma relação transatlântica equilibrada.
Para que tudo isto aconteça, é necessário que a Rússia seja cooperativa na construção da segurança comum e os europeus devem propor uma agenda de controle de armas. Dada a incerteza da existência de um novo Tratado START, há a possibilidade de uma concorrência militar e regional, sem qualquer tipo de obstáculos.
De facto, a Europa entrou numa nova era. Emmanuel Macron admite que os europeus precisam de união coletiva, mais confiança, cooperação aprimorada, solidariedade, transparência, parcerias duradouras e uma nova dinâmica.
Emmanuel Macron termina com a ideia de que sem paz e segurança não existe Europa.
“Umberto ECO avait une très belle que je cite souvent, il disait « la langue de l’Europe est la traduction”[14]
Ana Filipa Nogueira
Ilumbe Petronelle Mupepe
Raquel Figueiredo Venâncio
[12] Discurso do Presidente Macron no Eliseu e na Conferência de Munique, 2020.
[13] Designado em geral por Avião de 6ª Geração, mas na realidade um Sistema de Sistemas ligando plataformas aéreas interoperáveis, pilotadas e não pilotadas. O sistema está a ser desenvolvido pelas empresas Airbus e Dassault.
[14] Discurso do Presidente Macron na Escola de Guerra e na Conferência de Munique, 2020.
Enquadramento Global
São considerações substantivas e a merecerem uma cuidadosa análise. Importa, todavia, apresentar igualmente as ideias fortes sobre a mesma matéria apresentadas pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros dos EUA, da China e da Rússia no dia 15 de fevereiro.
A Visão Russa. Considerações do MNE Sergei Lavrov
O MNE da Rússia, Sergei Lavrov[15], começou por reconhecer a situação “extremamente tensa” no Continente Europeu e mais geralmente na região Euro-Atlântica perante as “novas fraturas e aprofundamento das antigas”, pelo que considerou oportuno voltar a trazer a debate a ideia da “Casa Europeia” que se destinaria a permitir reunir os potenciais de todos os estados europeus.
Lembrou então a “Grande Europa do Atlântico aos Urais” de Charles De Gaulle, e as ideias de Kohl e Mitterrand que, segundo ele, também falaram “da importância da parceria mais alargada possível com a Rússia em nome da estabilidade e segurança”. Lavrov lástima, contudo, que após a Guerra-Fria se tenha optado pelo “NATO-Centrismo” e pela lógica do “Líder-Asa” numa referência aos EUA como líder e à Europa como asa numa parelha de aviões.
O resultado foi que, segundo ele, “não se construiu uma Europa Unida e o considerável potencial da interação entre a Rússia e a UE e a sua vantagem comparativa não são usados”. E, em consequência, há problemas vitais como o terrorismo ou o crescimento económico sustentável a que não têm sido dadas soluções apropriadas.
Mas o mundo continuou a mudar e neste momento “a UE já não tem o monopólio da agenda de integração regional”. “A balança do poder está a ser modificada no grande continente Euroasiático primariamente devido aos novos centros em desenvolvimento na Região Ásia-Pacífico”. Lavrov refere a União Económica Euroasiática liderada pela Rússia e que atrai “dezenas de estados e associações”; a contribuição para o upgrade da Eurásia trazida pela China através da Rota e Faixa da Seda; e outros processos no quadro da Organização de Cooperação de Xangai.
É por isso que considera que o processo de integração na vasta Eurásia está agora a ser liderado na realidade prática pela Rússia e pela China e lembra mesmo o apoio de Putin à ideia da “Parceria da Grande Eurásia”, agora em desenvolvimento pelo “alinhamento” entre a União Económica Euroasiática e a Rota da Seda, que se estende atualmente também à ASEAN[16] e entre estes e a Organização de Cooperação de Xangai.
É neste contexto que Lavrov acrescenta entender que os parceiros Europeus beneficiariam em se juntar a este processo, acrescentado que a constituição de um “espaço comum de Lisboa a Vladivostoque” poderia melhorar a competitividade de todos os participantes. Acrescenta que a Rússia está pronta para este esforço que poderia ser desenvolvido na parte técnica através de um diálogo estável entre a Comissão Europeia e a Comissão Económica Euroasiática. A aproximação económica constituiria o fundamento para promover, ao nível do continente, uma arquitetura que garantisse uma segurança igual e indivisível, nos termos dos empenhamentos adotados em 2010, na Cimeira de Astana da OSCE.
A sua intervenção não faz nenhuma menção explícita aos EUA, eventualmente incluídos nos países com um “comportamento crescentemente egoísta no mercado global” em que “procuram implementar as suas regras em violação das regras das NU e da Organização Internacional de Comércio”.
A Visão Chinesa. Considerações do MNE Wang Yi
Wang Yi[17] aproveitou a referência ao combate empenhado que a China estava a travar contra o novo vírus que surgira em Wuhan, para efetuar a primeira declaração política. Segundo ele, “a velocidade da China, a escala e a eficiência da atuação, tudo demonstra a fortaleza do sistema Chinês”.
Em oposição a Lavrov, que se referiu apenas ao continente euroasiático, a apresentação do MNE da China tem outra escala e representa uma visão mundial. Wang Yi começou por recordar que o exemplo do novo vírus nos faz lembrar que vivemos num tempo em que o tradicional se entrelaça com o não-tradicional e as questões locais adquirem rapidamente impactos globais e vice-versa pelo que “nenhum país pode desenvolver-se de forma isolada ou fazer face, por si só, a todos os desafios dado que os nossos interesses estão estreitamente interligados”.
Considera assim que o conceito de “Westlessness” que constitui o título do Relatório da Conferência reflete apenas a perceção de alguns países da Europa e dos EUA. Refere, porém, que na visão da China, dado que a sociedade humana entrou na idade da globalização, devemos ultrapassar as divergências Este-Oeste e Norte-Sul e considerar o nosso planeta como uma comunidade para todos, ultrapassando as questões ideológicas e as diferenças históricas e culturais para “ver a comunidade internacional como uma família global”.
Na era da globalização “enfrentamos os mesmos desafios, temos responsabilidades comuns e um futuro partilhado” pelo que considera que devemos estabelecer um quadro efetivo de cooperação multilateral para em conjunto fazermos face à miríade de desafios com que nos confrontamos.
Apresenta então a proposta da China para sustentar um multilateralismo efetivo num mundo global, com base em 4 ações:
Pelo desenvolvimento partilhado, em que o direito ao desenvolvimento é assegurado a todos os países. Na era da globalização quantos mais países se desenvolverem mais capaz fica a comunidade internacional para responder aos desafios comuns. A modernização da China representa uma “tendência inevitável da história”. Dadas as suas capacidades, a China “não copiará o modelo ocidental”. Tendo em conta as suas tradições culturais “não procurará a hegemonia mesmo quando cresce em poder”. Escolheu “o desenvolvimento pacífico” e a “cooperação mutuamente benéfica com o mundo”.
“A via para o Socialismo com características Chinesas, que sustentou o notável sucesso da China, está repleto de vitalidade e a levar a um futuro ainda mais promissor”. O Partido Comunista da China apoiado por 1.4 milhões de pessoas, representa os interesses fundamentais de todo o povo Chinês.
A China “respeita as escolhas dos países Ocidentais e usará as experiências dos países desenvolvidos”. Da mesma forma o Ocidente necessita de “respeitar as escolhas do povo Chinês e aceitar e acolher bem” o seu desenvolvimento enquanto país “com um sistema diferente do Ocidente”.
Pelo bom exemplo dos maiores países. Segundo ele, a colaboração entre os maiores países é instrumental para o sucesso do multilateralismo. Assim, e de acordo com a orientação estratégica dos dois presidentes, a China vai reforçar ainda mais a “coordenação estratégica” com a Rússia em todas as frentes para uma nova era “e instilar mais energia positiva na segurança global, estabilidade e equilíbrio estratégico”.
A China trabalhará com os EUA para promover uma “coexistência pacífica” e uma “cooperação mutuamente benéfica”. E espera que os EUA adotem uma aproximação mais aberta e inclusiva face ao desenvolvimento da China e trabalhem com a China para “gerir as diferenças num espírito de igualdade e respeito mútuo”.
A China “aprofundará a cooperação com a Europa de forma alargada com um foco na melhoria das relações com a UE nas áreas do desenvolvimento verde, da economia digital e na expansão da cooperação China-PCEE[18]. O que coloca em destaque a sua cooperação com os países de centro e leste da Europa.
Pelo apoio das normas internacionais. O multilateralismo é diretamente oposto a ações unilaterais. O MNE da China refere-se então aos princípios consagrados na Carta das NU considerando o respeito pela soberania nacional, a resolução pacífica de disputas e a não-interferência nos assuntos internos como os alicerces do direito internacional moderno e dá como exemplos da atitude da China em relação às questões da Síria e do Afeganistão de acordo com o que considera serem esses princípios, rejeitando também o que considerou uma interferência não justificada “nos assuntos internos” da China em relação a Taiwan, Hong Kong e Xinjiang.
Por considerar o mundo como uma Comunidade. Wang Yi lembra que o surto da epidemia veio demonstrar novamente que o futuro de nossos países está intimamente ligado, pelo que considera que “a governação global e a coordenação internacional devem ser fortalecidas sem demora”. Refere então a iniciativa do Presidente da China no sentido da construção de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade, exortando todos os países a se elevarem acima das suas diferenças para em conjunto preservarem a “Mãe Terra”.
A Visão Americana. Declarações do SE Mike Pompeo
O Secretário de Estado dos EUA[19] também contestou o conceito de Westlessness e, ao contrário, considerou que o Ocidente que “inclui qualquer nação que adote um modelo de respeito à liberdade individual, livre iniciativa e soberania nacional”, está ao contrário, a ganhar e em conjunto.
Pompeo recordou o “privilégio incrível” de ter servido como militar na Europa durante a Guerra-fria e assistido à “incrível celebração da liberdade e da soberania” das pessoas, tão cruelmente separadas, quando o Muro de Berlim foi derrubado e o final da ocupação pelo “Império do Mal” estava à vista. Lembrou que os nossos países juntos conseguiram manter as nossas liberdades e soberania ao longo dos últimos 30 anos apesar dos desafios do terrorismo islâmico radical, de uma crise financeira global, e que o continuamos a fazer agora perante “um Partido Comunista Chinês cada vez mais agressivo”.
Lastimou-se, porém de que nos últimos tempos haja líderes democráticos que ponham em causa o empenhamento Americano com a Aliança Transatlântica e a liderança Americana no mundo. O que segundo ele não é refletido pelos “factos”. Ao contrário do sentido de perda e de divisão expresso no conceito de Westlessness, Pompeo afirma que “o Ocidente está a ganhar”. E mais do que isso está “a ganhar coletivamente”.
Apresenta então os factos em que assenta a sua convicção. Antes de mais porque “as nações livres são simplesmente mais bem-sucedidas do que qualquer outro modelo que já tenha sido experimentado na história da civilização”. É por isso que as pessoas pretendem ir para a Europa e não para o Irão ou Cuba, estudar em Cambridge e não em Caracas, trabalhar em Silicon Valley e não em S. Peterburgo. Fala do sucesso geral na Ásia que saiu da pobreza abjeta das décadas de 50 e 60 e onde destaca alguns casos notáveis como o da Coreia do Sul ou mais recentemente do Vietname. Em África cita o caso atual da Etiópia que enceta reformas económicas de sucesso. Para concluir que no hemisfério ocidental os países autoritários se resumem atualmente apenas a Cuba, Nicarágua e Venezuela.
A perturbação atual reside, segundo Pompeo, no facto de atualmente, mais de 30 anos após a queda do muro, existirem países que “não respeitando as soberanias, nos ameaçam”. “Algumas nações ainda desejam um império”, refere.
O que, segundo ele, se concretiza pela violação da integridade territorial dos outros estados, como na ocupação da Crimeia e partes da Ucrânia e Geórgia pela Rússia; pela ação dos proxies do Irão no Iraque, na Síria ou no Iémen, ou pelo uso dos seus mísseis contra as instalações petrolíferas sauditas; ou pela China quando usurpa as zonas econômicas exclusivas do Vietname, das Filipinas ou da Indonésia. Pela coerção econômica, quando a Rússia “exige lealdade na Ásia Central”, a China “exige silêncio” em Taiwan ou Hong Kong ou se apodera de infraestruturas nacionais como pagamento quando os países não conseguem cumprir os onerosos termos dos seus empréstimos. Quando há países que desrespeitam as estruturas políticas de outros países, nomeadamente quando o Irão sufoca os jovens iraquianos ou libaneses que pedem apenas um governo “limpo e soberano”; ou quando a China coopta funcionários ao nível governamental ou regional. O que Pompeo refere estar progressivamente a passar-se nos EUA, por toda a Europa, “de fato, em todo o mundo”.
Pompeo termina esta série de acusações advertindo que constituem elementos relevantes porque os ataques à soberania desestabilizam, empobrecem e escravizam. “Os ataques à soberania são, de facto, ataques à própria liberdade que ancora o ideal ocidental”.
“Os Estados Unidos encararam e continuarão a encarar essas ameaças perigosas e não pestanejarão”.
É nesse contexto que apresenta um conjunto de ações que considera relevantes para demonstrar a continuação da ação de liderança internacional dos EUA e que incluem: As ações que desenvolvidas para privar o Irão do santuário diplomático e a sua capacidade financeira para alimentar suas campanhas de terror – tanto no Oriente Médio quanto aqui na Europa; o seu alerta para as práticas comerciais desleais da China e para a nova agressividade do Partido Comunista Chinês; o apoio e armamento da Ucrânia para ajudar aquele país a defender-se da agressão russa; o apoio aos países bálticos vítimas de ações cibernéticas para se defenderem dos repetidos ataques de Moscovo. E, em apoio à soberania, prosperidade e independência energética de nossos amigos europeus, anuncia na Conferência que, por meio da International Development Finance Corporation, e com o apoio de nosso Congresso dos Estados Unidos, pretendem fornecer até US $ 1 bilhão de financiamento aos Países da Europa Oriental da “Iniciativa dos Três Mares”[20].
Refere então o apoio Americano ao laço transcontinental, nomeadamente pelo pedido de aumento do investimento na defesa que já levou a um crescimento de US $ 400 bilhões na NATO. A colaboração Americana no reforço mais significativo do flanco oriental da OTAN desde a Guerra Fria. A restauração da credibilidade no controle de armas quando se retiraram do Tratado INF – com apoio unânime da OTAN – depois da Rússia ter violado repetidamente os seus termos. Ou a sua participação no Defender Europe 20, um exercício ao lado dos Aliados da OTAN que correspondeu à maior mobilização de forças dos EUA na Europa em mais de 25 anos.
Os Estados Unidos juntaram-se com várias nações para proteger as vias navegáveis do Estreito de Ormuz, ou defender a liberdade de navegação no Mar da China Meridional. Desenvolveram os seus esforços para impedir a Coreia do Norte de continuar a desenvolver seu programa de armas nucleares, e trabalhamos para trazer Pyongyang de forma consistente de volta à mesa de negociações.
Lembrou a sua liderança da coligação de 81 nações na luta global para derrotar o califado do ISIS; o seu apoio à Organização dos Estados Americanos para revitalizar a instituição e melhorar sua eficácia; ou a liderança de uma coligação de 59 nações para expulsar Maduro e honrar a vontade do povo venezuelano.
Interrogou-se então se é de considerar que os EUA estão, ou não, a assumir um papel de liderança, afirmando que estão de facto a lutar ao lado da Europa pela “soberania e liberdade”.
Para concluir que que “devemos ter confiança nas nossas alianças e nos nossos amigos. O Ocidente livre tem um futuro muito mais brilhante que as alternativas iliberais”. Estamos a vencer – e estamos a fazê-lo juntos.
[15] Discurso do MNE Federação Russa, Sergei Lavrov na Conferência de Munique, 2020.
[16] Abreviatura de Association of Southeast Asian Nations
[17] Discurso do MNE da República Popular da China, Wang Yi na Conferência de Munique, 2020.
[18] A Cooperação China-PCEE (“China-CEEC”- China-Central and Eastern European Countries), foi uma iniciativa Chinesa para promover os negócios e as relações com os países da Europa Central e Oriental que estiveram na órbita da União Soviética. Abrange atualmente, além da China, 17 países europeus (Albânia, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Croácia, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Grécia, Hungria, Letónia, Lituânia, Macedónia do Norte, Montenegro, Polónia, República Checa, Romania e Sérvia)
[19] Discurso do Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, na Conferência de Munique, 2020.
[20] A “Iniciativa dos Três Mares”, foi lançada pela Polónia e Croácia que engloba doze Estados-membros da UE situados entre o Mar Báltico, o Mar Negro e o Mar Adriático: de Norte a Sul, uma vasta faixa englobando a Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, República Checa, Eslováquia, Hungria, Áustria, Roménia, Bulgária, Eslovénia e Croácia.
Considerações Finais
Não existe vento favorável a quem não sabe onde deseja ir
Séneca
O conceito de Westlessness, enquanto referência de partida do Relatório elaborado pela Organização da Conferência de Segurança de Munique para estimular as discussões dos intervenientes, retrata um Ocidente que não está apenas em perda perante o mundo, como internamente ele próprio se debilita e divide. Isto é, expressa no geral um sentimento de insegurança e de preocupação pelo que considera a crescente desvalorização do Ocidente e as dificuldades para a sua recuperação futura.
Sobre o conceito e eventuais remédios, as opiniões europeias expressas pelos Presidentes Alemão e Francês apresentaram diferenças significativas que importa analisar.
Entendemos, todavia, que não se devem apresentar as considerações finais sobre as suas intervenções sem ter em conta as análises apresentadas pelos MNE da China, da Rússia e dos EUA. Não significa isso que consideremos essas visões deterministas, nem a Europa rigidamente dependente delas. Julgamos que pelo seu peso e capacidade a Europa influencia as visões e políticas externas, mas temos de reconhecer que, de igual forma, é afetada também pelas políticas exógenas. O que consideramos fundamental é que quanto menos for capaz de definir uma estratégia comum europeia, mais dependente se torna das estratégias dos outros.
Do ponto de vista externo verificaram-se três diferentes asserções relativas ao conceito de Westlessness. De rejeição por parte do MNE da China atribuindo o conceito a alguns países europeus e aos EUA e ao contrário defendendo uma postura globalista que ultrapasse as divergências Este-Oeste e Norte-Sul e considere o nosso planeta como uma comunidade para todos e a comunidade a comunidade internacional como uma família global. Sustenta essa visão com a proposta de um multilateralismo global em termos específicos com base em 4 pontos.
O Secretário de Estado dos EUA também contestou também o conceito de Westlessness e o que ele representa e, ao contrário, considerou que o Ocidente que não definiu em termos geográficos, mas envolvendo “qualquer nação que adota um modelo de respeito pelas liberdades individuais, empresas livres e soberania nacional”, está ao contrário, a ganhar.
Tanto os EUA como a China, porém, parecem olhar para a Europa sobretudo como um espaço geográfico, de facto como uma área em que os grandes competem aparentemente sem restrições do “todo” Europeu encarnado pela União Europeia. É o caso da China, por ter estabelecido uma relação paralela com um grupo de países homogéneos em termos de passado e de interesse próprio para a China em termos da “Uma Rota uma Faixa”, sem que esse envolvimento tão significativo em termos estruturais, económicos, políticos e psicológicos se tenha desenvolvido de forma estreitamente coordenada com a UE. Ou dos EUA que tornou público na Conferência um investimento significativo aproximadamente na mesma região (Iniciativa dos Três Mares) aparentemente igualmente sem coordenação prévia com a UE.
É eventualmente por isso que uma das questões levantadas pelo Relatório se prende com a necessidade do desenvolvimento de uma Estratégia Europeia. Tal como está, a Europa não tem condições para deixar de ser uma “área de competição” entre as grandes potências. E ao não ter uma estratégia geral acima do nível da estratégia de segurança (que já existe), a UE não tem uma atitude relacional concertada, de médio e longo prazo sistematicamente prosseguida de relacionamento com os grandes países.
Lavrov apresentou uma análise de âmbito regional. Não tendo sido possível construir a Casa Europeia e tendo a Europa optado pela continuação da NATO, Lavrov refere ter-se gerado uma situação de divisão e instabilidade no Continente. Nesta altura, segundo ele, a Europa perdeu “o monopólio da agenda da integração regional” e o equilíbrio de forças está a modificar-se no enorme continente Eurasiático principalmente devido à emergência dos novos centros de poder na região Ásia-Pacífico. O processo de integração do continente está em curso envolvendo a União Económica Euroasiática liderada pela Rússia, o projeto “Uma Rota, Uma Faixa” liderado pela China e outras ações articuladas pela Organização de Cooperação de Xangai.
É neste contexto que Lavrov incita e Europa a aderir a uma Eurásia em processo de construção segundo o conceito da “Parceria da Grande Eurásia” expresso há anos por Putin.
Mas fá-lo numa perspetiva limitada pois não a convida a juntar-se ao processo geral de integração do Continente, mas a associar-se à Rússia. Lavrov refere que a “A criação de um espaço comum entre lisboa e Vladivostok” melhoraria a competitividade especialmente perante o comportamento crescentemente egoísta de alguns países no mercado global e das suas tentativas para aplicar as suas regras a todos os outros. Única eventual referência aos EUA durante toda a sua intervenção. Portanto esta associação parece ter igualmente implícito um certo afastamento trassatlântico.
Quanto às posições europeias, o Presidente da Alemanha constatou a mudança para o pior no estado do mundo e a dinâmica cada vez mais destrutiva na política internacional. Em que o cenário de crescente competição entre as grandes potências está já a alterar o ambiente de segurança internacional tornando-o mais imprevisível, incerto e gerador de maior instabilidade coletiva. E apresenta casos da Rússia, China e dos EUA para constatar o seu ponto de vista e concluir que esta dinâmica causa danos ainda mais profundos porque a concentração em interesses nacionais “estritamente definidos” nos impede de adotar ações conjuntas e resolver problemas que nem mesmo o maior Estado-nação da Terra, pode resolver sozinho. “O que prejudica as instituições e instrumentos que são absolutamente necessários para resolver os principais problemas que a humanidade enfrenta”.
No que interessa à Europa, para além das divergências económicas e ideológicas internas, Steinmeier considera que também do ponto externo existe uma evolução preocupante, pois atualmente as grandes potências não só não têm interesse no sucesso da integração europeia, como ao contrário, promovem os seus interesses mesmo quando estes se “alcançam à custa da unidade europeia”. Por isso considera que o maior desafio e prioridade da EU é manter-se unida.
Um elemento relevante nessa finalidade decorre de uma política de segurança adequada. Do ponto de vista alemão a segurança europeia tem uma responsabilidade dupla. Em que a construção de uma política de defesa europeia é tão relevante como a participação no pilar europeu da NATO. Se optássemos apenas por uma delas, isso levaria à divisão da europa porque há países que consideram a ligação à NATO como essencial e, além disso, a europa está longe de poder assumir a responsabilidade plena pela sua defesa.
Dito de outra forma quer por uma questão de coerência quer prática, se queremos uma Europa unida temos de continuar a investir nos nossos laços transatlânticos. Mas por outro lado, só uma Europa que pode e quer proteger-se de forma credível poderá promover a aliança com os EUA, considerando que para eles a Europa já não é vital como foi no tempo da guerra-fria e o seu centro de gravidade estar a deslocar-se para o Pacífico.
Mas mesmo que nos dedicássemos devotadamente às questões de defesa e alcançássemos os almejados 2% do Produto Interno Bruto (PIB) de investimento nessa área poderíamos resolver os problemas com que nos confrontamos. Temos de complementar a segurança, em sentido restrito, com mais diplomacia, entendimentos e estratégia na atuação europeia. A nossa prioridade não deve ser a de ocidentalizar o mundo, mas de integrar as questões de segurança dos outros na nossa própria segurança.
Steinmeier considera que a Europa necessita nomeadamente de formular uma política mais desenvolvida em relação à Rússia que não seja restrita ao estabelecimento de sanções; encontrar um novo equilíbrio com a China que perspetive a crescente competição com a necessária cooperação; ou em relação aos EUA de forma a promover o consenso em relação ao processo de integração europeia e ao laço transatlântico que considera essencial. E, para além disso, assumir mais responsabilidade na resolução das instabilidades nas áreas vizinhas, seja no Leste ou a Sul, nomeadamente na Líbia, no Sahel ou no Médio Oriente.
Finalmente o Presidente da Alemanha considera que o ambiente de competição entre as grandes potências está a provocar uma insegurança mundial crescente e que a recolha nas conchas nacionais nos levará “a um beco sem saída e a uma idade verdadeiramente sombria”. “Só o conceito de ordem global – e somente ele – oferece a oportunidade de formular respostas persuasivas aos desafios do Antropoceno”.
Defende por isso como postura essencial da Europa o apoio a um quadro normativo multilateral que promova a cooperação mútua e a “criação de um mundo que torne a dignidade do indivíduo – um dos objetivos gerais estabelecidos há 75 anos no preâmbulo da Carta das Nações Unidas, juntamente com a paz e a segurança, colocando a força da lei perante a lei dos fortes – o padrão para ação estatal”.
E “esse projeto aberto só persiste sem fronteiras geográficas, sem cor da pele se nós mesmos o mantivermos vivo, se voltarmos a dar vida às nossas ideias e instituições”. O exemplo da Europa será determinante para tal.
Macron também reconheceu o enfraquecimento do Ocidente, o surgimento de outros valores e o facto da Europa estar a ser “empurrada” por outros projetos e outros valores. Citou a emergência da China que deve ser tomada em conta, mas também atores regionais “que não partilham os nossos valores” como a Rússia ou a Turquia, mas que estão na nossa vizinhança. Referiu-se à política Americana de relativa retração internacional e de uma certa “reconsideração da relação com a Europa”. Mas lembrou também as oportunidades específicas que a Europa pode aproveitar nomeadamente através de uma cooperação eficaz com África se a isso nos dedicarmos e soubermos vencer em conjunto as questões da demografia e do desenvolvimento.
Considera a ligação transatlântica essencial, mas face às diferenças e especificidades europeias, não esgota as relações mútuas. A Europa deve ter liberdade de ação para desenvolver a sua própria estratégia para promover os seus interesses próprios seja nomeadamente em relação ao mediterrâneo (que não é uma política transatlântica) ou nas relações com a Rússia que não pode ser exclusivamente uma política transatlântica. É nestes termos que o Presidente Francês defende que a Europa nos próximos 10 anos deve conceber a sua “soberania em relação a esses grandes assuntos” num “contexto interno de maior unidade e vitalidade democrática”.
A sua tónica é pois mais afirmativa chamando a atenção para a necessidade imperiosa de se articular uma estratégia europeia que nos faça reafirmar como uma “potência política estratégica”, numa Europa mais soberana, unida e democrática. O nosso desafio para a próxima década prende-se, segundo ele, com a necessidade de cuidarmos daquilo que é do nosso interesse próprio e eventualmente não partilhável como a soberania tecnológica, os assuntos migratórios, as questões alimentares, climáticas e ambientais, bem como as relações com a vizinhança alargada, ou seja, de uma política com a Rússia, com o “Médio Oriente” e com África.
Considera as questões bilaterais entre a França e a Alemanha muito importantes salientando os sucessos práticos levados a cabo, porém considera que a nossa questão atual é mais profunda. “Hoje as pessoas duvidam da Europa e mesmo da ideia de democracia – o extremismo aumenta – e da nossa capacidade de promover uma resposta comum”. No entanto, é a nível da Europa que é possível mudar as coisas. A Europa tem segundo ele a “escala certa”, e a sua ação a nível continental é indispensável, considerando que as iniciativas franco-alemãs são relevantes para fomentar o dinamismo necessário.
Considera que estes desafios são complexos, mas que devem ser enfrentados de frente o que o levou a apresentar a sua visão sob forma como a Europa se deve articular para levar a cabo tal tarefa. Para isso pensa numa Europa a vários “círculos”. Com um “coração” muito mais integrado, partilhando mais políticas comuns e melhor capacidade de decisão rodeado por círculos progressivamente menos integrados que no final incluirão os países da “vizinhança estabilizada”.
Sobre as questões de segurança e defesa tem uma posição com pontos fundamentais comuns com a Alemanha. Macron acredita que temos necessidade de uma “Europa da Defesa” mais forte, mas que este projeto não é contra, ou alternativo à NATO. Segundo ele a segurança coletiva Europeia tem dois pilares: a NATO e a Europa da Defesa. Esta não é uma alternativa, mas a consequência lógica da situação que vivemos. Em que o nosso parceiro americano nos diz que devemos investir mais na nossa segurança que tem vindo a diminuir desde a queda do Muro de Berlim. Desde a Administração Obama que se verifica um reposicionamento estratégico dos EUA com menos investimento no Médio Oriente e maior preocupação em relação ao Pacífico, ao mesmo tempo que nos dizem que “a Europa deve assumir as suas responsabilidades em termos de vizinhança”.
Macron pensa que temos claramente necessidade da NATO. Mas temos que construir em coerência com a NATO, em relação a nós próprios e em resposta ao pedido americano, uma capacidade própria que nos dê credibilidade face ao parceiro transatlântico, no que diz respeito à melhoria da capacidade de nos protegermos e de conduzir ações úteis, mas também para ter uma liberdade de ação. Porque isso é também muito importante para podermos ter uma política externa. Se não tivermos liberdade de ação não temos credibilidade na política externa e não podemos ser o “parceiro junior” dos EUA porque por vezes temos desacordos que é necessário assumir como em relação ao processo de desnuclearização do Irão. Por isso temos que ter uma política de defesa.
Em síntese a Conferência de Segurança de Munique permitiu identificar duas aproximações políticas Europeias com alguma diferenças sobre a forma da Europa equacionar a sua resposta aos desafios com que nos confrontamos.
Por parte da Alemanha a tónica parece estar num esforço de aproximação e de abrangência alargada europeia que permita ultrapassar o discurso etnocêntrico e o refluxo soberanista e nacionalista nalguns estratos sociais e países europeus. O Presidente Francês, partindo de uma leitura internacional semelhante foca-se na necessidade prática de a Europa gerar uma capacidade real de atuação nas circunstâncias atuais que dê corpo a uma entidade com vontade própria e capacidade para explorar as oportunidades e os interesses que lhe são específicos, mesmo se isso implicar uma certa geometria variável desde que um coração mais integrado seja capaz de assumir a conduta necessária.
Sobre a imprescindibilidade do laço Transatlântico materializado estrategicamente na NATO, na qual a participação europeia deve respeitar os compromissos assumidos, não há diferença notável entre as posições da Alemanha e da França. Assim como não existe também desacordo sobre a necessidade de a Europa assumir maior responsabilidade pela sua segurança próprias e das regiões vizinhas o que deve ser feito em complementaridade e convergência com a NATO.
Foi igualmente manifestado nas intervenções o acordo sobre a necessidade de a UE se dotar de uma estratégia alargada na qual caiba a reanálise das relações com a Rússia que de momento se restringem a críticas mútuas e sanções e com a China para reequilibrar o desencontro atual entre cooperação e competição. Parece, todavia, ainda longe a capacidade e vontade para se constituir na Europa uma entidade política forte a que Macron gosta de chamar soberana, capaz de evitar manobras paralelas, desencontradas e eventualmente divisionistas sejam em relação à ligação dos países da Europa central e do leste com a China seja do apoio à iniciativa dos três mares.
Finalmente é ainda de referir a sintonia sobre a necessidade da promoção de um multilateralismo internacional promotor de uma paz sólida e duradoura pela cooperação e ação conjunta sem recurso às ameaças às outras potências. Macron afirma esperar que se estabeleça um trabalho de equipa entre os principais parceiros da Europa de maneira a que se fortaleça o Direito Internacional.
Coordenação:
António Fontes Ramos
Vice-Presidente da Mesa do Conselho Geral
Revisão:
Miguel Carvalho Gomes
Coordenador da Eurodefense Jovem
Rita Vilaça Monte
Vogal da Eurodefense Jovem
Referências
Discurso do Presidente da Alemanha disponível em: http://www.bundespraesident.de/SharedDocs/Downloads/DE/Reden/2020/02/200214-MueSiKo-Englisch.pdf?__blob=publicationFile
Discurso do Presidente da França disponível em: https://www.la-croix.com/Monde/conference-munich-macron-europe-puissante-2020-02-15-1201078507
Discurso do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia disponível em: https://www.mid.ru/en/vistupleniya_ministra/-/asset_publisher/MCZ7HQuMdqBY/content/id/4043519
Discurso do Ministro dos Negócio Estrangeiros da China disponível em: https://www.chinadaily.com.cn/a/202002/16/WS5e490ce7a310128217277dc8.html
Discurso do Secretário de Estado dos EUA disponível em: https://www.state.gov/the-west-is-winning/